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24 agosto 2007

A Crise das Realidades Urbanas

Por todo lado o que se vê é a mesma coisa: pessoas metendo o pau em escritores que optaram por escrever sobre a tal da nossa realidade urbana contemporânea. Nas universidades, na internet, nos jornais, somente as editoras parecem não se importar com nada disso e continuam publicando e vendendo autores dessa linha. A razão é óbvia: porque existe um público que gosta muito disso. Como isso pode ser tão contrastante? Quer dizer, como, apesar do que eu chamaria de publicidade intelectual negativa, pode haver consumo de tantas histórias sobre cidades e violência?

Desconfio que a razão envolve uma falta de percepção de ambos os lados. A crítica que sugere que todos os seguidores de Rubem Fonseca são ruins e os escritores desse realismo urbano que não fazem nada diferente há muito tempo. Quando observo críticos afirmarem que os leitores não se interessam por esse realismo urbano, com palavrões, sexo cru e violência, o melhor argumento que posso formular para rebater isso é dizer que um escritor como Marçal Aquino, declaradamente urbano, enche todo lugar onde vai para falar de sua literatura. Rubem Fonseca, se viajasse pelo país dando palestras, certamente também lotaria. Há um público fiel ao gênero e motivos não faltam para isso. O caos e a violência urbana fazem parte do cotidiano de boa parte dos leitores desse tipo de literatura. Então, o que eles buscam, é justamente uma literatura com que se identifiquem.

O que ocorre, no entanto, é que um bom livro tem de se apresentar como literatura. Se lemos um livro e o texto é quase um roteiro de cinema, então digo que é um livro ruim, pelo simples fato de ele pode ser substituído pelo cinema, pela televisão ou pelo teatro, por exemplo. O que quero dizer é que para haver boa literatura é preciso que algum diretor de cinema, teatro ou televisão tenha dificuldades em adaptar a obra para outro meio, é preciso que ele reconheça que há um vínculo entre o texto e a arte literária. Ao ponto de o espectador, após assistir a adaptação, reconhecer que algo foi perdido, por melhor que seja o filme, o seriado da TV ou a peça. Não digo cortar cenas para diminuir o tamanho do filme, como por exemplo na série "O Senhor dos Anéis", e sim cortar elementos literários por serem impossíveis de reprodução em outro tipo de arte. Sem essa prerrogativa básica, a literatura torna-se dispensável, apenas um canal que o artista preferiu para passar sua mensagem. O que leva à conclusão que a forma deve estar intimamente relacionada ao conteúdo.

Forma e conteúdo. Quantos são os livros que retratam a realidade urbana ao mesmo tempo que são inovadores em sua forma? O que vemos é que a maioria desses privilegia seu enredo como forma de reproduzir nosso tempo. Por isso os palavrões, o sexo cru ou a violência. Pior: alguns autores parecem achar que os palavrões, o sexo cru ou a violência fazem parte da forma e não do conteúdo! De maneira pouco perspicaz, escritores procuram produzir sensações no leitor através desses artifícios inócuos. Rubem Fonseca já construiu um personagem que apanhava uma arma de fogo e tentava pregar pessoas na parede por simples diversão. Quanto ao sexo, duvido que a literatura possa nos surpreender de alguma forma com a enxurrada de imagens que invadem o nosso cotidiano, desde a internet até uma propaganda de cerveja. Continuar usando somente esses recursos como forma de criar algo novo para a literatura é dar aos críticos literários argumentos suficientes para desprezar o gênero.

Qual a solução? Há uma falta de percepção no gênero. A pergunta que todo autor deveria saber responder prontamente é em que medida sua obra atualiza o tema das realidades urbanas. Não parecem que muitos conseguem responder à questão. Se não sabe ou não vê problema algum em somente reproduzir a nossa realidade, então esse autor não merece o tempo do leitor. Criar um personagem angustiado, niilista, autodestrutivo ou fragmentado é algo que o leitor já está acostumado a encontrar. Mas o que a maioria dos livros com esse enfoque não diz é: e daí? Em que medida criar uma cultura de paranóia urbana evolui ao ponto de vislumbrarmos, cada vez num futuro mais próximo, seres mais afastados uns dos outros? Em que medida esse ser urbano se desumaniza? Parece haver, portanto, uma preguiça generalizada entre os autores ou uma incapacidade de fugir do que apenas apresenta a superfície, traduzindo os sinais evidentes em algo que realmente podemos chamar de nosso tempo. Não consigo entender o por quê de tanta miopia e conservadorismo. Se o passo mais difícil já foi dado, a conquista de um público leitor fiel, por não avançar e apresentar as conseqüências disso de uma forma literária?

Pode-se dizer que há pelo menos um ponto positivo nessa crise do gênero. Se os autores não pensarem o mais depressa possível na renovação da arte que produzem, o público que hoje compra tais livros vai sumir. Diminuindo a demanda, diminuirá a oferta. Como conseqüência, o futuro promete o fim da mesmice.
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