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04 agosto 2006

O Entrelaçamento de Culturas na Obra de Gombrowicz

No ensaio intitulado "O Romance Polonês" (o texto original em espanhol pode ser lido aqui), publicado no livro "Formas Breves", Ricardo Piglia faz uma leitura de "Ferdydurke" a partir dos problemas culturais de um autor que pertence a uma cultura secundária, escrevendo numa língua marginal, o polonês. Numa comparação com "Transatlântico", denominado no ensaio como "um dos melhores romances escritos neste país" (i.e., a Argentina) e o primeiro escrito após o exílio de Witold Gombrowicz, Piglia sugere que o escritor, além de retomar as questões culturais de "Ferdydurke", consegue também ampliar suas observações, certamente influenciado pelo novo ambiente - deslocado do cenário europeu - e pelo cruzamento das duas línguas: o polonês e o espanhol. Piglia enaltece a obra desse grande escritor e destaca a importância e a influência dela para a literatura argentina.


Apesar de "Ferdydurke" ser uma das principais obras do modernismo europeu, por aqui nunca recebeu o devido mérito. De fato, o escritor e suas obras são praticamente ignorados pelo mercado editorial brasileiro. Por isso, é uma ótima notícia o lançamento de "Ferdydurke" pela "Companhia das Letras", traduzido diretamente do polonês. Ao começar a lê-lo, o leitor talvez se recorde de Kafka, mas ao invés de um inseto metamorfoseado, Józio - o personagem principal do romance - 'torna-se' um adolescente e é sequestrado - e aqui a comparação talvez seja à Alice de Lewis Carroll - por um professor que o leva a um estranho colégio. Mas qualquer comparação entre esses escritores serve apenas como uma aproximação: a obra de Gombrowicz possui um humor incomparável, presente em imagens grotescas. É o absurdo, contado numa linguagem também absurda e divertida.

A obra se sobressai já pelo título, que, como Susan Sontag observa no prefácio que acompanha a tradução, "significa... nada" pois não há nenhum personagem com esse nome no texto. Um título que parece uma provocação, um mistura de escolha aleatória e deliberada; uma tentativa de conexão entre uma estranha cultura polonesa e o resto do mundo. Gombrowicz, assim como Joseph Conrad, Samuel Beckett e Vladimir Nabokov, transitou entre dois idiomas, o que fez com que sua própria vida servisse de laboratório para sua literatura. Especialmente neste romance, cujo tema principal é a imaturidade, lemos e achamos graça de um tipo humano que reconhecemos, por seus anseios como um 'adolescente' de trinta anos, mas ao mesmo tempo parece bem distante, por causa do ambiente e das situações absurdas que são descritas nele. Uma mistura fascinante.

No Brasil, a obra mais conhecida de Gombrowicz é "A Pornografia" lançada pela "Nova Fronteira" e atualmente esgotada. O livro costuma ser facilmente encontrado pelos sebos, possivelmente porque os leitores o compram imaginando um livro que vai fazer valer o título com várias descrições de sexo e dentro dele não encontram nada disso. Mesmo assim, seria um erro afirmar que não há ressonância de suas obras em nossa própria literatura. Entre os contemporâneos, por exemplo, vários autores demonstram uma influência ou, pelo menos, um interesse no escritor. É o caso, por exemplo, de Marcelo Mirisola que num belo texto intitulado "Carta Para Gombro" usa o autor e sua criação literária para refletir sobre si mesmo (ou o Mirisola narrador) e sua literatura. Outro autor também contemporâneo ligado à obra de Gombrowicz é Juliano Garcia Pessanha que no texto "Heterotanatografia" cria um "Gombro" para conversar com si mesmo. Esse interesse de autores contemporâneos pela obra de Gombrowicz somente ressalta a importância de se conhecer a sua obra, muito atual pelas questões que levanta. Um texto que é literatura de primeira linha.
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