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06 junho 2006

Luzes Sobre Nossos Dias

Nos tempos em que vivemos, quando observamos a violência e a bandidagem crescerem de modo a imaginar um futuro cada vez mais negro, vemo-nos com a necessidade de refletir sobre o ser humano, pensar suas realizações e suas faltas, tentando descobrir nos erros do passado um modo de acertarmos o futuro. O grande sonho, uma humanidade feliz e em paz, está incutido no ser humano e por causa de tal sonho muitos pregaram revoluções que hoje, vistas a certa distância pelo tempo, reconhemos uma certa ingenuidade nas propostas apresentadas. São estes pensamentos que agora vêem à minha mente, após a leitura do excepcional romance de Alejo Carpentier, chamado "O Século das Luzes".


Dentre todos os chamados romances históricos, talvez nenhum outro foi tão sincero em nos dizer que os maiores sonhos da humanidade tiveram embutidos neles também as mais bem formuladas falácias. Um misto de desânimo e tristeza paira sobre o leitor após encontrar o último ponto final da obra e é preciso algum tempo até nos recuperarmos do choque.

A obra de Carpentier nos faz voltar no tempo até a Revolução Francesa no fim do século 18. O primeiro cenário é Cuba, onde três jovens vêem suas vidas mudarem com a morte do patriarca da família. Os irmãos Carlos e Sofia, além do primo Esteban, passam a partir daí a viver de modo recluso, numa vida entediada, mas tranqüila, até a chegada do estranho personagem Victor Hugues. Embora saibam pouco a respeito do visitante, ele cada vez passa a ter um papel maior na vida deles, até a grande descoberta: Hugues é um representante dos ideais da Revolução Francesa, que estava em marcha na Europa, que sonha com a implantação desta revolução também ali no Caribe.

Com o crescimento do movimento revolucionário, começamos a ver como os belos sonhos do início transformam-se cada dia mais em amargos pesadelos. Pelos olhos de Esteban, que por causa de alguns eventos é obrigado a viajar para a França em companhia de Hugues, vemos de modo nítido a mudança. Já não há mais as reuniões com o clima da solidariedade; no lugar dela, surge a imposição e a desconfiança. Um dos momentos mais impactantes da narrativa é quando Esteban descobre a guilhotina sendo transportada para as ilhas. Victor, que de reacionário transfigurou-se numa caricatura de Robespierre, agora é descrito pelo personagem como uma Alegoria, assim mesmo, com sua primeira letra maiúscula, dum modo que ressalta a deformação do ser humano em favor do sonho revolucionário.

Embora o autor fosse cubano e ligado à esquerda, a obra não pode ser reduzido a um simples panfleto ideológico, contra ou a favor da revolução. Notamos um cuidado ao pesquisar os eventos históricos e uma poesia admirável ao narrá-los. Em nenhum momento a beleza da literatura é subjugada por uma expressão rasteira de qualquer identidade política. O autor parece transcender a isso, embora o romance tenha material suficiente para apoiar uma ou outra opinião política. O escritor, dum modo muito competente, não cai nessa armadilha e percebemos todo o tempo o esforço em narrar a história dum modo singular, num estilo bem próprio.

Por tudo isso, depois de ler o romance e pensar sobre a ficção apresentada, vemos que se trata de uma verdadeira obra-prima, um livro que fala do século das luzes, iluminando a figura do ser humano. Poucos são os livros que nos dão esta sensação, de que acabamos de ler algo relevante, um texto que produzirá uma série de reflexões importantes durante muito tempo. Enxergamos um ser humano múltiplo, que às vezes irrefletidamente se entrega ao fervor de um sonho e que percebe ao final que todo seu empenho produziu resultados contrários ao que esperava. Perguntamo-nos no fim: "será que não estamos também sendo ingênuos?". Quando seres humanos são desumanizados por criminosos e em resposta policiais se desumanizam para combatê-los, criando um espetáculo de violência transmitido em horário nobre, não somos também um pouco ingênuos por imaginar que o fim desse combate tornará o ser humano melhor ou a sociedade mais próxima do sonho de paz e felicidade? No fim disso tudo, valerá realmente a pena? O maior problema talvez nem seja não saber as respostas, mas perceber tantas pessoas ao nosso redor que nem ao menos se fazem estas perguntas.
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