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20 junho 2006

Piglia na Flip

"Folha - Em seus ensaios, você reflete muito sobre a literatura argentina, sobretudo sobre o século 19. Qual o legado daquele período à literatura argentina e internacional?

Piglia - O século 19 foi o século das grandes utopias, enquanto o século 20 tratou de convertê-las em realidade. E ainda estamos pagando as conseqüências. No que diz respeito à literatura, o século 19 é o século do romance, grandes artistas como Dickens ou Tolstói, foram escritores muito populares. Depois o romance como gênero perdeu seu público e o relato social migrou para o cinema. Não foi, como se costuma dizer, pelo fato de os romancistas começarem a escrever romances experimentais que o romance perdeu seu público. Mas, justamente porque o romance perdeu seu público, é que foram possíveis obras como as de Joyce, Kafka ou Proust. De todos os modos, sempre temos a nostalgia dessa época em que grandes livros eram lidos por todos os lados."


Entrevista de Ricardo Piglia na Folha, que confirma sua aparição por aqui em agosto na FLIP. Não gosto desses eventos, mas taí um escritor que gostaria de ver. Clique aqui para ler a entrevista completa.

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Google Shakespeare

"Em www.google.com/shakespeare , os leitores poderão inserir frases como "ser ou não ser" e ter acesso à obra de "Hamlet", por exemplo. A página também oferece textos de especialistas, grupos de internet e vídeos de representações das peças de Shakespeare."

Notícia do jornal "O Globo".

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19 junho 2006

Agradecimento

Gostaria de agradecer a todos que participaram do Bloom-BlogsDay. Foi realmente ótimo. Tantos textos, tantos comentários, tanta gente falando de literatura. Ótimo.

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17 junho 2006

Ítaca e Penélope

Capítulo 17 - Ítaca

Duas da manhã e os dois personagens chegam a casa em 7 Eccles. O lar é o símbolo perfeito para a Ítaca de Homero. Eles perderam a chave da casa e, como não querem acordar Molly, pulam a grade e entram pelos fundos. Bloom convida Stephen a morar com eles, mas ele recusa. Depois vão até o jardim onde urinam juntos. O texto é um dos mais divertidos do livro, onde a narrativa é em forma de perguntas e respostas. O contraste entre Bloom e o herói Odisseu é evidente: enquanto Bloom aceita a traição de Molly, Odisseu quer eliminar todos aqueles que tentaram conquistar Penélope.

Capítulo 18 - Penélope

Talvez o capítulo mais famoso da obra, o monólogo interior de Molly. O episódio é um longo texto sem pontuação, fragmentado, intemporal, pensamentos que se ligam através de associações. As oito frases começam e terminam com "yes". Molly está na cama, meio dormindo, e rememora uma série de acontecimentos, terminando na lembrança da primeira vez em que ela e Bloom fizeram amor. E assim termina esta longa Odisséia, deixando o leitor com a sensação de infinito, se o pudéssemos sentir.

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Eumeu

Capítulo 16 - Eumeu

Uma da manhã e Stephen e Bloom vão até um abrigo de cocheiros. Na Odisséia, o herói Odisseu se encontra com o fiel e hospitaleiro Eumeu depois que ele retorna à Ítaca. Depois Odisseu irá encontrar Penélope. Em "Ulisses" também Bloom, durante a parada, conversa com o marinheiro W. B. Murphy. No fim do capítulo Bloom diz sobre Stephen: "His initial impression was that he was a bit standoffish or not over effusive but it grew on him someway", ou segundo a tradução de Houaiss: "Sua impressão inicial era que ele era um tico arredio ou não sobrefusivo mas isso crescia-o no seu conceito de certo modo." (página 788). E é isso que sentimos agora também. Stephen é um personagem que começa um pouco desinterressante, um pouco arredio, mas 'cresce' durante a narrativa. Um encontro simbólico entre pai e filho.

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16 junho 2006

Circe

Capítulo 15: Circe

É meia-noite no bordel de Bella Cohen. Stephen está bêbado. No episódio da Odisséia Circe transforma os homens de Odisseu em porcos. Em "Ulisses", Bella Cohen representa Circe e, diferente da Odisséia, Bloom se transforma, por assim dizer, ao começar a ter alucinações. No fim do capítulo Stephen bêbado apanha de soldados. A polícia chega, mas Bloom contorna a situação.

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Gado do Sol

Capítulo 14: Gado do Sol

Para mim, o episódio mais complexo do romance. São dez da noite e estamos na National Maternity Hospital de Dublin. Praticamente não há ação física. Stephen está bêbado e devemos ter isso em mente ao ler o capítulo, por isso o fluxo de consciência é ainda mais complexo. Também Joyce escreve aqui misturando várias vozes que correspondem aos nove meses de gravidez. A linguagem vai do inglês primitivo ao moderno.

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Nausícaa

Capítulo 13: Nausícaa

Às oito da noite a ação acontecerá novamente em Sandymount Strand. Vimos Stephen passar por aqui no capítulo Proteu, lembram-se? Agora quem está aqui é Bloom que vê Gerty MacDowell. Gerty pensa num romance do passado, vê Bloom de longe e tem uma fantasia romântica com ele. Depois de uma queima de fogos, ela vai embora, mas antes se insinua levemente para Bloom. Depois, Bloom percebe que ela é manca. Gerty neste episódio representa Nausícaa da Odisséia.

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O Ciclope

Capítulo 12: O Ciclope

São cinco da tarde, Bloom agora está no bar Barney Kiernan e se encontra com Martin Cunningham. Um mal entendido entre Bloom e um homem, um nacionalista, no bar quase cria uma briga. O episódio acaba com Bloom fugindo do homem. No paralelo com a Odisséia, o homem do bar é o ciclope, vendo todos os eventos por um único ponto de vista.

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Textos do Antigo Blog do Romance

O Sérgio Barcellos Ximenes durante um bom tempo escreveu no Blog do Romance, um site já extinto, que ficou bastante conhecido pelas análises cuidadosas que fazia de uma série de obras. Seu ponto de vista foi sempre o mesmo: de um leitor. Hoje ele publica textos no site Roteiro Romanceado, um site que merece visitas (clique aqui para acessá-lo). Numa ocasião, o Sérgio escreveu dois excelentes textos criticando todo o 'oba-oba' em torno da obra. Entrei em contato com ele, que me enviou os textos, e publico-os abaixo para vocês aproveitarem. São longos, mas vale muito a pena.

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ULISSES: O ROMANCENIGMA - 1

O pior romance da história da Literatura?
por Sérgio Barcellos Ximenes

Respondendo

Do ponto de vista do leitor comum, sim. Do ponto de vista do crítico literário, do resenhista, do professor de literatura ou do escritor (e de, quem sabe, alguns leitores que compartilham os critérios desses profissionais), não. Mas esse "não" será especificado no segundo artigo da série.

Se podemos fazer uma afirmação genérica sobre o modo de leitura da maioria dos leitores, ela é: o seu modo de ler romances não lhes permite gostar do que não gostam, ou não gostar do que gostam, experiências comuns na vida do crítico literário, do resenhista de livros e do professor de literatura.

A experiência válida para a maioria dos leitores é aquela que se situa entre o momento do início da leitura do romance, no primeiro capítulo, e o momento do final da leitura, no último capítulo. Com base nas reações emocionais e intelectuais geradas pela leitura, o juízo final é feito e mantido, independentemente de argumentos e juízos contrários que venham a ser lidos em resenhas, críticas ou estudos literários, ou de avaliações contrárias que venham a ser ouvidas de pessoas amigas ou autoridades no romance. O leitor comum é fiel a si mesmo: ele jamais negará a qualidade de sua experiência real de leitura. Parodiando o lema "vale o escrito", para ele "vale o lido".

Já o trabalho dos críticos, resenhistas e professores raramente menciona as experiências reais que eles teriam se lêssem o romance para proveito próprio. Esses profissionais não lêem como amadores, mas como ... profissionais. Durante e, especialmente, ao final da leitura, o crítico ou o resenhista pensa sobre o enredo e os personagens, insere o romance na história daquele gênero literário e estabelece relações com outros romances e autores, entre outras atividades intelectuais próprias da avaliação literária profissional. Do resultado desse processo de análise resultam o valor da obra e o conteúdo de seu artigo ou resenha.

Assim, no trabalho dos críticos, resenhistas e professores de literatura é comum haver uma discrepância entre o que eles vivenciaram como leitores e o que afirmam como analistas: um livro indigesto, difícil de aturar (quanto mais de gostar) durante a leitura, pode ser, depois dela, considerado um "clássico", uma obra recomendada a todos. Críticos, resenhistas e professores de literatura, muitas vezes, valorizam obras de que não gostaram como leitores. Para eles, mais vale o que vem depois da leitura, o raciocínio objetivo sobre a obra, do que a experiência da leitura, a vivência subjetiva da obra. Para eles, não "vale o lido", mas sim o significado que pode ser atribuído ao conteúdo da leitura.

Críticos, resenhistas e professores de literatura apreciam Ulisses, de James Joyce.

Provavelmente, na literatura ocidental, não haja obra mais carregada de (desculpe o palavrão) paratextualidade do que Ulisses. Se você ainda não leu o romance (isto é, se pertence a esse grupo formado por 99% do total dos leitores), pense em tudo quanto "sabe" sobre Ulisses, isto é, em todas as opiniões, artigos, menções em resenhas, já lidas por você ao longo de anos, referentes ao romance de James Joyce. E pense na impressão causada por esses conteúdos: como são os personagens, como se desenvolve a trama, qual é o tema da história, qual o grau de dificuldade esperado da leitura do romance, como é o estilo de Joyce.

Essas informações obtidas não da leitura do texto, mas de outras fontes, constituem um exemplo de paratextualidade. (Não adianta procurar no "Dicionário Aurélio" nem no "Dicionário Houaiss": esse conceito só existe na cabeça dos estudiosos de literatura e nos seus textos.)

Portanto, estes artigos, para quem não leu Ulisses, representarão mais um exemplo de paratextualidade, mais um conjunto de informações sobre a obra, que pode influenciar a decisão de comprar ou não o livro, ler ou não ler o romance, interpretar o enredo desta ou daquela maneira, classificar a obra neste ou naquela categoria.

Por ser Ulisses o mais sagrado ícone do romance moderno, faço aqui um pedido explícito: receba o que vai ler a seguir como uma opinião pessoal, só minha, carregada de subjetividade. Não atribua nenhuma autoridade a ela, e deixe para tirar suas próprias conclusões se e quando tiver acesso ao livro. Mantenha-se fiel ao lema do leitor comum: "vale o lido", quando ele for uma experiência pessoal direta.

Então vamos nós.

Ulisses é um embuste. O maior embuste da Literatura universal. Não o livro em si, mas o que fizeram dele.

Defina "embuste" para mim, mestre Houaiss: "Mentira ardilosa; logro".

Capa do romance 'Ulisses'

Para explicar bem essa conclusão, derivada da leitura de todas as 957 páginas do livro (sim, eu consegui - ainda não acredito, mas consegui), preciso dar uma idéia geral das características de Ulisses.

Logo no primeiro capítulo, que vai da página 9 à 70 na tradução brasileira de Antônio Houaiss, ficam patentes algumas características do estilo de Joyce e da tradução de Houaiss.

Por exemplo, a combinação adjetivo + substantivo + adjetivo:

escura escada espiral (p. 9)
meneante cara grugulhante (p. 9)
fornida cara sombreada (p. 10)
soturna queixada oval (p. 10)
louros cabelos carvalho pálido (p. 11)
largas pardas vestes funéreas (p. 12)
verde bile viscosa (p. 12)
móveis olhos azul-esfumaçados (p. 13)
curvos lábios escanhoados (p. 13)
brancos dentes resplandecentes (p. 13)
forte tronco compacto (p. 13)
louros cabelos despenteados (p. 15)
precípites pés lucífugos (p. 17)
undialvas palavras acopladas (p. 17)
longos acordes baixos (p. 17)
áspero respirar ruidoso (p. 18)
escura sala abobadada (p. 20)
bem-vindo ar lúcido (p. 20)
insinuante voz inquiridora (p. 22)
meloso tom amaneirado (p. 22)
rascante voz rouquenha (p. 22)
branco leite generoso (p. 23)
velhas mamas flácidas (p. 23)
mofino escárnio jesuítico (p. 26)
luminoso instante silente (p. 29)
radiosa cara largamente ridente (p. 29)
tranqüila boba voz feliz (p. 29)
orgulhosos títulos potentes (p. 32)
vermelha cara resfolegante (p. 33)
lisa cabeça parda (p. 35)
lívida chama final (p. 35)
esborrachado caracol desossado (p. 40)
brilhosos olhos impiedosos (p. 40)
longos traços rombudos (p. 40)
azedo ar tabaqueiro (p. 42)
pardacento couro surrado (p. 42)
lerdos olhos plenos (p. 49)
ávidos gestos inofensivos (p. 49)
húmido bulbo crocante (p. 57)
pastosa massa arenosa (p. 57)
escuras redes astutas (p. 57)
crua luz solar (p. 59)
ruidosos espadachins intrépidos (p. 61)
crepitantes fogos resinosos (p. 63)
mudas ternuras ursinas (p. 64)
argênteas frondes recatadas (p. 68)

Na tradução, Houaiss deve ter visado também ao mercado literário de Portugal. Estas palavras causam estranheza, ao serem lidas:

direcção (p. 16)
objectarem (p. 26)
facto (p. 26)
indirectas (p. 26)
actos (p. 31)
ejectou (p. 33)
jactos (p. 33)
tacteando (p. 34)
subjectivo (p. 41)
objectivo (p. 41)
ejectou (p. 49)
direcção (p. 49)
directores (p. 50)
exactamente (p. 52)
tacteia (p. 52)
cateléctico (p. 52)
direcção (p. 57)
húmido (p. 57)
jacto (p. 59)
facto (p. 60)
projectá-los (p. 60)
tacto (p. 67)
tacteavam (p. 70)

Uma das características do estilo joyciano são os neologismos, palavras criadas pelo autor, geralmente pela junção de duas palavras conhecidas. Eis as traduções de Houaiss:

verdemuco (p. 11)
escrotoconstritor (p. 11)
canicarcaça (p. 13)
herbicaules (p. 15)
vegetissombras (p. 17)
harpicordas (p. 17)
almiscarperfumado (p. 18)
piscideuses (p. 21)
aljofarcetinado (p. 23)
sobrondulante (p. 35)
sangüinirrajado (p. 36)
cadaverinjuncada (p. 36)
marifrígidos (p. 44)
inabominantes (p. 44)
mortivômito (p. 47)
marissêmen (p. 52)
maribodelha (p. 52)
azulargênteo (p. 52)
gruinchando (p. 53)
umbilicordão (p. 53)
tramatrançado (p. 53)
alvicúmulo (p. 53)
pereternidade (p. 53)
mulherfantasma (p. 53)
uniuniram (p. 53)
contransmagnificandjudeibumbatancialidade (p. 53)
malzodiacado (p. 53)
omofórion (p. 53)
alvimontados (p. 54)
luciventibridões (p. 54)
sinsenhorando (p. 54)
tambormorilando (p. 55)
eqüiniventas (p. 55)
basiliscoculado (p. 56)
garlatingalhando (p. 58)
familiaei (p. 59)
gestojacto (p. 59)
postprândio (p. 59)
sanguiniflorida (p. 60)
carossuda (p. 60)
mosquicocozadas (p. 61)
indesesperançável (p. 61)
iulandeixe (p. 62)
sanguibicancudas (p. 62)
danivíquingues (p. 62)
grassicarne (p. 63)
decaucoloridas (p. 63)
fimbrirrenda (p. 64)
maridirigidas (p. 64)
cocleicoletores (p. 64)
rubrifolegando (p. 64)
canicrânio (p. 64)
canifaro (p. 64)
lentigalopava (p. 64)
quasequaseando-o (p. 65)
occidentante (p. 66)
luninflada (p. 66)
miriadinsuladas (p. 66)
viniscuro (p. 66)
nuptileito (p. 66)
nataleito (p. 66)
espectriciriado (p. 66)
omniventrante (p. 66)
juralonjuralonjuralonjura (p. 66)
hominiforma (p. 67)
vergonhiferidas (p. 67)
longuiciliados (p. 67)
azulívido (p. 67)
gravigomosas (p. 68)
serpiplantas (p. 68)
verdiáureas (p. 68)
freixestoque (p. 68)
marisserpentes (p. 68)
espumicharco (p. 68)
salbranqueado (p. 69)
gaseicadáver (p. 69)
maritrânsito (p. 69)
sandalizante (p. 69)

Também aparecem várias frases, versos ou palavras nos idiomas francês, italiano, inglês, alemão e latim. Todos sem tradução. Isso acontece nas páginas 9, 11, 18, 21, 32 (2), 34, 35, 52 (3), 53, 54, 55 (3), 57 (5), 58 (7), 59 (5), 60 (3), 62, 63 (2), 66 (2), 68 (2) e 69 (3).

O nível culto da língua e o vocabulário bastante diversificado se fazem notar. Alguns exemplos:

revérbero (p. 13)
jalapa (p. 14)
hamaca (p. 20)
exprobrativo (p. 23)
imo-senso (p. 26)
pétaso (p. 30)
saquitel (p. 36)
perolário (p. 37)
azevinho (p. 39)
menagem (p. 46)
supedâneo (p. 46)
cibório (p. 46)
saíbe (p. 62)
peltre (p. 62)
prímula (p. 63)
áugure (p. 67)

Há também, neste primeiro capítulo, uma grande quantidade de nomes de pessoas, lugares e obras, quase sempre mencionados de passagem e sem que o tradutor as explique por meio de notas de rodapé. São eles:

Oxford, baía de Dublin, Kingstown, Dottyville, Wilde, Caliban, Bray Head, Richmond, Lalouette, Clongowes, Sandycove, Dundrum, Grogan, Mabinogion, Upanishads, Maria Ana, Hamlet, Quartier Latin, Martello, Billy Pit, Tomás de Aquino, Elsinore, Mercúrio, Fócio, Ário, Valentim, Sabélio, angra de Bullock, Westmeath, Blake, Pirro, Vico Road, Argos, Júlio César, Lycidas, Santa Genoveva, Shakespeare, Averróis, Moisés Maimônides, Albert Edward, O'Connell, Diamond, Armagh, John Blackwood, Ards of Down, Lord Hasting, Duque de Westminster, Duque de Beaufort, Liverpool, Galway, Cassandra, Koch, Mürzster, Helena, Menelau, Tróia, MacMurrough, O'Rourke, Parnell, Ulster, Hotel City Arms, Sandymount, Leahy, Liberties, Edenville, Adão Kadmon, Eva, Chippendale, Ferrando, Joaquin Abas, Howt, Pico della Mirandola, Ringsend, Léo Taxil, Columbano, Rodot, Arthur Griffith, Drumont, Rainha Vitória, Maud Gonne, Millevoye, Félix Faure, Upsália, Malahide, Richard Burke, Clerkenwell, Goutte-d'Or, Gît-le-Coeur, Kilkenny, Strongbow, Sion, Kish, Elsinore, Louis Veuillot, Gautier, Malaquias, Liffey, York, Or san Michele, Harum al-Raxid, Royal Dublins, O'Loughlin de Blackpitts, Fumbally, Cassiopéia, Hodges Figgis, Cloyne, Leeson, Pã, Cock, Tennyson.

O narrador, ao contar a história, relaciona-se com poucas pessoas, mas uma boa quantidade de outros personagens é mencionada durante as conversas, aparecendo neste capítulo apenas como nomes, sem outro referente concreto.

Haines, Algy, Conolly Norman, Úrsula, Clive Kempthorpe, Aubrey, Ades de Magdalen, Peter Teazle, Loyola, Fergus, Royce, Turko, Janey Mack, Cahill, Bannons, Carlisle, Lily, Seymour, Cochrane, Armstrong, Comyn, Edith, Ethel, Gerty, Talbot, Cyril Sargent, Deasy, Halliday, McCann, Fred Ryan, Temple, Russell, Cousins, Bob Reynolds, Kohler, McKernan, Henry Blackwood Price, Florence MacCabe, Patk MacCabe, Sally, Walter, Richie, Golf, Shapland Tandy, Foxy Campbell, Patrice, MacMahon, Kevin Egan, Perkin Warbeck, Lambert Simmel, Guido, Hannigans, Yvonne, Madeleine, Esther Osvalt.

E há ainda, é claro, o próprio estilo de Joyce. Este trecho da página 62, um dos mais legíveis de todo o capítulo, pode passar uma idéia de como se dá a leitura.

"Uma carcaça inchada de cão jazia reclinada sobre bodelha. Diante dele a apostura de um bote, soçobrado no saibro. Un coche ensablé, Louis Veuillot chamou à prosa de Gautier. Estas pesadas areias são linguagem que maré e vento inscreveram aqui. E lá, os montículos de pedras de construtores mortos, cortiços de fuinhas. Esconde ouro lá. Tenta-o. Tens algum. Areias e pedras. Prenhes de passado. Brinquedos do Senhor Bicho-Papão. Cuidado para não receberes um bofetão na cara. Sou o danado do gigantão que rola os danados dos pedregulhões, ossos para os passos das minhas passadas. Fiufeofium. Eu xinto o xeilo do xangue num ialundeixe."

O conteúdo dos pensamentos do protagonista, Leopold Bloom, das descrições do narrador e das falas dos outros personagens revela a total falta de seletividade por parte do autor. Joyce simplesmente descreve, em minúcias e do seu jeito enigmático, um dia (16 de junho de 1904) na vida de um grupo de amigos.

Agora que você já tem uma idéia inicial de Ulisses, faça o seguinte exercício de imaginação. Coloque-se no lugar de um autor que pretende escrever um romance, movido por esta intenção:

"I'll put in so many enigmas and puzzles that it will keep the professors busy for centuries."

Tradução: "Incluirei tantos enigmas e quebra-cabeças que ele [o meu romance] irá manter os acadêmicos ocupados durante séculos".

Todo romancista tem o direito de determinar os critérios de elaboração de suas obras. Mas pare e pense: se esse romancista realmente fizer o que se propõe, conforme explicitado naquela declaração, ele terá criado um romance? Assim, apenas um "romance"? Ou terá criado um romance de uma determinada categoria, de um gênero muito particular e específico?

A propósito, Joyce não escreveu essa frase. Ele escreveu: "I've put in so many enigmas and puzzles that it will keep the professors busy for centuries." Só mudei o "I've" ("incluí") para "I'll" ("incluirei"), o passado para o futuro, porque desse modo o exercício de imaginação funcionaria melhor para mostrar a intenção que presidiu à feitura da obra. Ele disse e fez.

Próximo ao final do primeiro capítulo, as características do romance me fizeram lembrar de outras obras de natureza semelhante, na história da Literatura, obras nas quais o autor usou a ficção para brincar com as palavras. Por exemplo, em La Disparition (1967), o francês Georges Perec não utilizou uma vez sequer a letra E, forma de composição denominada tecnicamente de "lipograma". Pensando nisso, comecei a suspeitar de que Ulisses se tratava de uma obra pertencente a um categoria muito específica, estreitamente relacionada a outra atividade profissional a que, por coincidência, estou ligado. Uma rápida pesquisa na Internet me levou à frase reproduzida acima. E então entendi.

Às vezes somos incapazes de perceber o óbvio porque ele ainda não foi enunciado por uma autoridade. Assim, tendemos a aceitar as categorias empregadas por quem chegou antes de nós, ainda mais quando essas pessoas têm o poder de enunciar juízos inquestionáveis em sua área.

Aceita-se a classificação de "romance histórico" para Ivanhoé, de Walter Scott, e para Dias e Dias, de Ana Miranda. Aceita-se a a classificação de "romance policial" para O Falcão Maltês, de Dashiell Hammett, e para Uma Janela em Copacabana, de Luiz Alfredo Garcia Roza. E aceita-se a classificação de "romance espírita" para Tudo Tem Seu Preço, de Zibia Gasparetto, e para Memórias de um Suicida, de Yvonne A. Pereira. Aceita-se com propriedade, porque tais obras exibem as características específicas de cada um desses gêneros literários.

Também existem em Ulisses características suficientes para justificar a especificação da categoria genérica "romance". São elas:

_____________________

1. A intenção do autor.

A frase de James Joyce, reproduzida acima, revela que o autor considerou sua obra, desde a concepção, uma espécie de vale-tudo na área da criação de enigmas e de jogos de palavras.

2. A construção do texto.

A leitura de Ulisses permite constatar que o autor realmente incluiu no texto uma grande quantidade de recursos lúdicos, enigmas, alusões, citações e brincadeiras lingüísticas, como era seu propósito.

3. A leitura do texto.

Não se lê Ulisses com a mesma atitude reservada aos romances que apresentam princípio, meio e fim bem definidos, e um enredo cujos fatos e significados sejam acessíveis ao leitor, ainda que essa apreensão dependa de algum trabalho intelectual de nossa parte. É impossível, no caso do romance de Joyce, simplesmente acompanhar a história e apreciar a condução dela pelo narrador. A atitude imposta pelo autor ao leitor é a de aceitação de um desafio intelectual, de extraordinária dificuldade. O leitor deve estar atento a cada detalhe do texto, buscando dicas ocultas para entender cada passagem (ou mesmo cada palavra), e sua mente deve se manter bem afiada, pesquisando fatos na memória, gerando e testando hipóteses, avaliando interpretações alternativas e verificando a validade de suas suposições na seqüência da leitura.

4. A interpretação do texto.

Nos romances convencionais, o leitor tem acesso a uma história e à sua interpretação, sugerida ou explicitada pelo narrador. Em muitos romances modernos, o narrador procura deixar dúvidas sobre o significado dos fatos ¾ isso quando não afirma explicitamente que há várias interpretações possíveis para a sua história. Já em Ulisses, tanto a interpretação da história como um todo, quanto a interpretação de cada um de seus capítulos e de cada uma de suas cenas (quando não das próprias frases) torna-se um mistério a ser decifrado pelo leitor.

Prova disso é a quantidade de estudos publicados sobre o romance. Nenhum leitor sozinho conseguiu descobrir todos os truques, alusões e jogos de palavras criados por James Joyce. Para captar muitas dessas nuances, é preciso comprar vários livros e ler vários ensaios ou artigos de especialistas na obra, correndo o risco de se deparar com autores que, na ânsia de interpretarem o texto, acabam vendo o que não existe e projetando conteúdos de sua própria imaginação sobre a obra.

Esta página da Web apresenta uma lista de livros recomendados a quem deseja começar a entender o nível de complexidade presente em Ulisses.

Além de ficar extremamente atento no nível dos detalhes e das relações internas entre os enigmas plantados por Joyce, o leitor de seu romance precisa decifrar outras informações essenciais, referentes à estrutura total do enredo. Alguns exemplos:

. A relação de cada capítulo com a jornada de Ulisses na Odisséia (especificada no título de cada parte, em inglês, mas deixada de lado na tradução de Houaiss, dividida somente em três capítulos).

. A relação dos personagens do romance com os daquele texto épico.

. A relação das cenas com órgãos do corpo, artes, cores, símbolos e técnicas narrativas.

_________________

Portanto, no relacionamento do leitor com Ulisses conta mais o desafio da atividade de decifração do significado, do que o prazer da leitura do texto e do acompanhamento de uma história. Quando essas diferenças são percebidas, torna-se evidente que Ulisses se insere numa categoria específica de romance, bem distante do romance convencional ou mesmo do romance dito moderno.

A história da literatura registra várias outras obras de conteúdo e propósito semelhantes, embora em grau bem menor de complexidade. Alice no País das Maravilhas atrai até hoje os estudiosos da literatura devido aos jogos de palavras inseridos na história por Lewis Carroll, como o prova o clássico Alice, Edição Comentada, de Martin Gardner, recentemente relançado no Brasil. Outros escritores utilizaram a forma do romance para brincar com as palavras. Mencionei antes Georges Perec, membro do grupo Oulipo, fundado em 1960 por Raymond Queneau e destinado a explorar a inserção dos jogos de palavras na literatura dita "séria".

Ulisses pertence a essa área da literatura, ou seja, à combinação entre literatura e enigmismo. Trata-se de um romance-enigma. Tecnicamente, não é correto designá-lo como o vêm fazendo os estudiosos da literatura, há décadas: um "romance", e ponto.

E, dentro dessa categoria, Ulisses é o mais complexo romance-enigma jamais criado, pelo número de enigmas do texto e pelo número de páginas da obra. Joycianamente, aliás, proponho intitular essa categoria como "romancenigma".

Assim conceituado, é fácil entender a relação dos leitores com o livro. Tratado como romance "normal" ou como uma história tradicional, Ulisses é insuportável, um texto desastroso do ponto de vista da recepção. O "enredo" e o estilo exigem um grau altíssimo de paciência, cultura, inteligência, esforço mental e elaboração do conteúdo exposto nas 957 páginas, anos-luz além dos exigidos pelos demais romances. Falando da experiência pessoal com a obra, consegui chegar ao final dela impondo-me um limite de 20 páginas diárias, nem mais nem menos, "tomadas" como remédio amargo, sem reclamar.

Abrindo um parêntese: Ulisses é o mais extraordinário exercício dos direitos do autor, na área da ficção. Mas esse exercício criou tantos obstáculos à fruição da leitura que fez do livro o menos amigável da literatura universal, do ponto de vista do leitor.

E, por ser um romance de uma categoria muito específica, a parcela do público leitor que pode vir a gostar deste livro de Joyce é mínima. Mesmo entre os apreciadores de enigmas e de jogos de palavras, muitos consideram que as 957 páginas de enigmas transformam o prazer numa obrigação. Entre eles, eu. Para dar uma idéia de como esse público-alvo de Ulisses é restrito, sou membro da National Puzzlers' League (a Liga Nacional dos Enigmistas), a mais antiga associação de enigmistas do mundo, fundada em 1883 nos Estados Unidos. A NPL possui pouco mais de 400 membros em todo o mundo ¾ e isso, mesmo com a facilidade representada pela filiação via Internet. Abaixo da linha do equador, só há um membro ativo: este escritor.

A diferença básica entre Ulisses e o outro romance-enigma que se tornou um clássico da Literatura, Alice no País das Maravilhas, está na relação entre o primeiro e o segundo planos da narrativa. Alice possui uma história fácil de acompanhar, no primeiro plano, o nível superficial da obra; quem se interessa, pode então procurar no segundo plano o seu nível complexo, exercendo a atividade de decifração dos enigmas plantados ali por Lewis Carroll. Já Ulisses trouxe os enigmas para o primeiro plano, deixando a história praticamente sepultada por ele.

A conclusão é óbvia: entre os leitores comuns, só deve ler Ulisses quem gosta dessa categoria de romances, o romance-enigma, que possui regras específicas para a sua criação e que exige um tipo específico de relacionamento do leitor com o conteúdo e a forma do texto. Quem aprecia a compreensão e o acompanhamento de uma história, ainda que uma história elaborada com um razoável grau de complexidade, perderá dinheiro e/ou tempo se vier a se curvar à imposição da leitura desse clássico, apenas por ser um "clássico", obrigação muitas vezes reforçada, sutil ou abertamente, nos artigos de críticos e professores de literatura.

Aliás, foi admirável a campanha de marketing realizada pelos críticos e pelos professores de literatura, durante décadas, tentando convencer os leitores de que "todos" deveriam conhecer esse romance-enigma, escondendo, com isso, a sua destinação a quatro públicos-alvo bem específicos: os estudiosos da literatura, os escritores profissionais, os apreciadores de enigmas e os masoquistas literários.

Este é o sentido do termo "embuste": o logro em que caíram tantos leitores, durante tanto tempo.

________________

"Porque você vê - fala Bloom - para uma propaganda é preciso repetição. Este é o segredo todo." (p. 419)

Mas ...

"[...] uma história é boa até que a gente ouve outra [...]" (p. 421)

________________


Referências

. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa, Instituto Antônio Houaiss, 2001.
. Ulisses, James Joyce, Civilização Brasileira, 2000.

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ULISSES: O ROMANCENIGMA - 2

O melhor romance da história da Literatura?
por Sérgio Barcellos Ximenes

Respondendo

Sim, para os estudiosos da literatura, os apreciadores de enigmas lingüísticos e os escritores desejados de conhecerem as possibilidades técnicas e estilísticas do romance.

Ulisses figurou na ponta de todas as listas de 100 melhores romances do século XX. Nenhuma delas teve como jurados somente os leitores.

Ao permitir-se incluir no texto de Ulisses todo tipo de enigma e brincadeira lingüística ...

__________

"I've put in so many enigmas and puzzles that it will keep the professors busy for centuries."

Tradução: "Incluí tantos enigmas e jogos de palavras que ele [o meu romance] irá manter os acadêmicos ocupados durante séculos".

__________

... Joyce acabou liberando a própria criatividade, e essa liberação resultou num bom número de inovações na técnica do romance. Das inovações resulta o valor de Ulisses para a história do romance, para os romancistas e para os estudiosos da literatura.

O primeiro mérito está na própria atitude de liberdade criativa: a intenção de fazer algo novo, tanto no conteúdo quanto na forma, não se contentando em usar apenas o que os outros tinham feito e haviam deixado como legado.

O segundo mérito reside na ousadia de seguir até o fim as próprias idéias, por mais que elas fossem (e foram) revolucionárias, diferentes ou aparentemente absurdas.

O terceiro mérito se encontra nas técnicas derivadas dessa ousadia criativa levada ao mais alto grau.

No artigo anterior, comentei sobre as características do primeiro capítulo da tradução brasileira de Ulisses. Todas elas continuam presentes nos dois capítulos seguintes: os neologismos; a união adjetivo + substantivo + adjetivo; os nomes e lugares não explicados; o detalhismo das descrições de eventos óbvios; o estilo enigmático do autor.

Entre essas características, obstáculos à fluidez da leitura, persiste a redação destinada ao público português. Exemplo:

"Leal ao mais alto poder constituído na terra, actuado por um amor inacto de rectitude seus objectivos seriam a estreita manutenção [...]" (p. 866)

Assim como, no artigo anterior, dei exemplos daquilo que fez de Ulisses uma experiência quase insuportável para leitores comuns, agora darei exemplos daquilo que fez de Ulisses um romance valioso para estudiosos e escritores: as técnicas inovadoras, que se tornaram uma opção a mais para os romancistas e os ficcionistas em geral.

Comecemos pela técnica mais famosa do livro, o fluxo de consciência, na qual o escritor representa uma sucessão de fatos percebidos, pensados, lembrados e imaginados pelo personagem, descrevendo-os quase sempre em primeira pessoa (o ponto de vista do "eu"). Cada exemplo específico, reproduzido abaixo, serve para revelar determinada categoria de eventos internos que pode ser transmitida por essa forma de descrição de experiências, o fluxo de consciência. A grande variedade de tipos de experiências explorada por Joyce permitiu-lhe passar ao leitor uma impressão muito rica do mundo interno do ser humano.

. A atividade perceptiva.

"Nada do que ela possa comer. Ele mirou ao redor de si. Não." (p. 74)

. A reprodução fiel do conteúdo da percepção.

[O personagem lê a marca desgastada pelo uso do chapéu:] "A legenda suada dentro da copa do chapéu anunciou-lhe mudamente: chapéu Plasto de alta qualid." (p. 75)
[Quando o personagem escreve com uma caneta cuja tinta está acabando:] "Recebi sua car e flô. Onde diabo pus? Num bolso ou out." (p. 362)
Ao reler uma carta já mostrada ao leitor em sua inteireza, aparecem em seqüência, sem pontuação, apenas as palavras que chamam a atenção do personagem (p. 103).

. A mudança de ponto de vista.

"Imagino como é que eu pareço a ela. Altura de uma torre? Não, ela pode saltar sobre mim." (p. 74)

. O resultado de uma observação.

"Selos: estampas de reverso colante." (p. 75)

. O aparecimento súbito de uma idéia.

"Um milhão de libras, espera um instante." (p. 104)

. A experiência concreta que serve de exemplo de determinada categoria já mencionada.

"Exemplo, aquela gata esta manhã na escada." (p. 489)

. A autocorreção.

"O preto conduz, reflecte (refracta, é isso?) o calor." (p. 76)
"Como estou eu dizendo barris? Galões." (p. 105)

. A dedução de uma regra lógica.

"Isso é realmente uma coincidência. Lógico centenas de vezes pensa-se numa pessoa e não se topa com ela." (p. 215)

. A consulta à memória.

"Uma rapariga tocando um desses instrumentos como é que se chamam: dulcímeros. Passo." (p. 76)
"Qual é mesmo o nome? É de Mosenthal. Raquel, será? Não." (p. 100)
"A propósito, rasguei aquele envelope? Sim: debaixo da ponte." (p. 107)
"Quem é que me contou? Mervin Brown." (p. 137)
"Pen alguma coisa. Pendennis? Minha memória está voltando. Pen ...?" (p. 203)
"... os dois perto do comoéquesechama?" (p. 390)

. A lembrança súbita, intercalada no pensamento.

"Aquele sujeito que apresentou provas reais contra os invencíveis costumava receber a, seu nome era Carey, a comunhão toda manhã". (p. 107)

. A lembrança elaborada.

"Ela estava com aquele vestido creme com o rasgão que ela nunca consertou. Me faz um carinho, Poldy. Meu Deus, estou morrendo de vontade. Como a vida começa.

Pegou então barriga, teve que rejeitar o concerto de Greystones. Meu filho nela." (p. 117)

. A alteração na consciência corporal.

"Minha rótula está doendo. Ui. Agora está melhor." (p. 137)

. A especulação.

"Será que os peixes jamais ficam mareados?" (p. 490)

. O comentário pessoal.

"Falar: como se isso endireitasse as coisas." (p. 96)
"Idéia inteligente São Patrício o trevo." (p. 105)

. A busca da melhor forma de expressão.

"Um tal ... como podia dizê-lo? ... um tal porte de rainha." (p. 288)

. O recado dado a si mesmo.

"Tenho de cuidar da minha aparência minha idade." (p. 478)

. A conversa em imaginação.

"Olha o andar acabrunhado dele. De quem comeu ovo podre." (p. 215)

. A formulação de hipóteses.

"Imagino se ele perdesse o alfinete da dele." (p. 107)
"Está com uma bossa no lado do chapéu. A carruagem provavelmente." (p. 152)

. A afirmação categórica.

"Sentem sim. Tenho certeza." (p. 106)

. A afirmação não muito categórica.

"Acredito que sim." (p. 216)

. A dúvida ou indecisão.

"Ou dou uma passada pelo velho Harris e bato um papo com o jovem Sinclair?" (p. 217)
"Falo ou não falo a respeito daquele cavalo que Lenehan?" (p. 226)

. O desejo súbito.

"Pés grossos tem aquela mulher de meias brancas. Tomara que a chuva os emporcalhe." (p. 219)

. A decisão de efeito imediato.

"Responder algo." (p. 43)
"Dizer-lho algo. Melhor não bancar o condescendente." (p. 236)
"Fechar depressa o livro. Não deixar ver." (p. 316)

. O lembrete para si mesmo.

"Preciso mandar endireitar os meus óculos velhos." (p. 217)

. A interrupção do raciocínio.

"Inventar uma história para algum provérbio que? (p. 92)
"Lugar adorável deve ser: ..." (p. 94)
"Pétalas muito cansadas para." (p. 94)
"Estranha a atmosfera toda de." (p. 107)
"Mulher morrendo por." (p. 109)

. A emoção ou reação afetiva.

"Arrepia-me só de ver." (p. 221)
"Isso até que tem graça, suponho. Ou não." (p. 221)
"Gosto da maneira com que dá aquela curva lá." (p. 226)

. A experiência de natureza interjetiva.

"Puxa! Simplesmente medonho!" (p. 210)
"Palavra que suou." (p. 212)
"Por São Jorge, que ele levou um trompaço." (p. 212)
"Interessante." (p. 217)
"Homens, homens, homens." (p. 220)
"Pobre jovenzinho!" (p. 237)
"Danado de gim gostoso aquele." (p. 313)
"Olhos deste tamanho." (p. 370)
"É pegar elas vivas, oh." (p. 476)

. O maravilhamento.

"Surpreendentes as coisas que se esquecem nos trens e vestiários." (p. 217)
"Olá, um cartaz." (p. 239)

. A descoberta cotidiana.

[Ao ver a máquina impressora liberar uma fileira de cadernos dobrados, o som Sllt faz o narrador pensar:] "Quase humana a maneira por que sllt chama a atenção. Fazendo esforços para falar. Essa porta também sllt rangendo, pedindo que a fechem. Tudo fala a seu próprio modo. Sllt." (p. 160)

O próprio estilo empregado na reprodução do fluxo de consciência representou uma inovação literária. Transmitindo ao leitor frases curtas, picotando as frases e eliminando conjunções e ligações entre as orações, Joyce impôs ao leitor o trabalho de juntar logicamente essas partes de frases separadas pelo ponto final. Sai a junção lingüística, feita pelo narrador, e entra a junção lógica, feita pelo leitor. O sentido não é dado, mas somente sugerido. As relações entre as frases dependem da aplicação do raciocínio, participação que aumenta o envolvimento do leitor com a história.

"Todos querem meter o bedelho. As mulheres também. Curiosidade. Coluna de sal." (p. 201)
"Pobre senhora Purefoy! Marido metodista. Método na sua loucura." (p. 210)
"É o que elas gostam. Tomar homem de outra mulher. Ou mesmo falar disso. Diferentes de mim. Contente de me ver livre da mulher de um gajo. Comida de prato frio." (p. 479)

Joyce exercita vários estilos literários ao longo das 957 páginas. Como exemplos, o estilo comercial, o legal, o descritivo, o geográfico, o romântico, o intelectual, o científico, o estilo de crônica, de notícia política, de discurso, de ata de assembléia, de peça teatral e de anúncio, sem contar o estilo poético e até mesmo o musical, representado por uma partitura presente no texto. Se, de um lado, são interessantes exercícios para o autor, uma exibição notável de flexibilidade estilística, às vezes se tornam um suplício para o leitor, pela obviedade e extensão da brincadeira. Exemplo extremo: as 170 páginas da peça teatral, de conteúdo absurdo, simbólico e onírico.

Outras características do estilo de Joyce:

. O uso de estruturas coloquiais.

"Nunca mais vi ele." (p. 327)

. A quebra da ordem direta da frase.

"Voz profunda esse sujeito do Dlugacz tem." (p. 91)
"Chatice esse negócio de enterro." (p. 110)
"Artes do demo tudo aquilo." (p. 157)
"Cheiro graxo pesado há sempre nessas oficinas." (p. 161)
"Arrebenta com o dia de um homem um enterro." (p. 163)
"Olhando para baixo viu adejando poderosamente, girando por entre as amuradas desoladas do cais, gaivotas." (p. 198)
"Egoístas esses abstêmios são." (p. 210)
"A sina dos polícias é às vezes até que feliz." (p. 211)
"Essas gentes literárias etéreas são todas." (p. 216)

. A estrutura telegráfica.

"Uma flor. Creio que é uma." (p. 102)
"Mesmo aviso à porta." (p. 105)
"Pena tão vazio." (p. 106)
"Muito poético aquilo sobre o triste. Música provoca isso." (p. 364)
"¾ Vou dar um pulo na esquina. De volta num minuto." (p. 75)
"¾ A esposa bem, espero ¾ disse ..." (p. 98)

. A ênfase baseada em repetições.

"A saia amarrotada sacudindo-se às batidas às batidas às batidas." (p. 79)
"Com lero-lero, lero-lero, lero-lero, lero-lero." (p. 93)
"Longo longo longo repouso." (p. 104)
"interminabilidadedadedadedade ..." (p. 358)
"trazeeeer", "apressaaar" (p. 921)
" ... ; Lydia, admirada, admirava." (p. 359)
"Lugugúgubre." (p. 368)
"Longe. Longe. Longe. Longe." (p. 374)
"Rogai por nós. E rogai por nós. E rogai por nós. Boa idéia a repetição." (p. 488)

. O uso dos dois-pontos.

"Vaidosa: muito." (p. 88)
"Falar: como se isso endireitasse as coisas." (p. 96)
"Orgulhosa: rica: meias de seda." (p. 97)
"Conta-lhe: mais e mais: tudo. Então um suspiro: silêncio." (p. 104)
"A carruagem deu a galope uma volta: estacou." (p. 128)
"Feiosa: nenhuma mulher pensa que é." (p. 493)

. Neologismos.

"Miss Bronze desblusava o colo." (p. 336)
histerirrindo (p. 337)
dentiarreganhava-se (p. 344)
descavalheiresco (p. 588)
inaquecido (p. 834)
inesperabilidade (p. 836)
pernicruzado (p. 625)
avantipatas (p. 643)

. Onomatopéias.

"... mugindo maaaaaa." (p. 214)
"Tara: bum bum bum." (p. 219)
"Oh o tal de totó-uauuauuau." (p. 227)
"Plaqueplaque. Plaquepacpac. Placplocplac." (p. 333)
"Rrrpr. Craa. Craandl." (p. 334)
"Bonde. Crã, crã, crã." (p. 378)
"AS GAIVOTAS: Keke koko ki kankury." (p. 578)
"A CHAMA DE GÁS: Puuua! Fuuuiiii!" (p. 633)
"O JATO DE GÁS: Pfungue!" (p. 700)
"O CAVALO: (Relincha) Cahahahahasa." (p. 723)
"... a dlenguedlengue da cítara ... " (p. 911)
"... fchiiiiiiiiiiiiiiiiiiifcho aquele trem de novo ..." (p. 929)
"Chplac. Ela deixou súbito livre em ricochete sua liga elástica pinçada chplachquente contra sua quentelástica coxa de mulher chplachável." (p. 346)

Em suas descrições, Joyce evita o clichê, tanto o da percepção quanto o de seu registro lingüístico, procurando a novidade em conteúdo e forma. Além disso, o autor dá preferência não à interpretação do que o personagem percebe, mas àquilo que a percepção detecta de modo "ingênuo", direto, anteriomente ao ato mental e quase automático de interpretação dos estímulos percebidos.

"O harmônico de alegre silvo dulcigorjeante soou uma, duas notas, cessou. A cortina da janela foi corrida para o lado. Um cartão de Apartamentos não mobilados deslizou do caixilho e caiu. Um fornido braço nu generoso luziu, deixou-se ver, sustentado por um branco corpinho-anágua e estiradas alças. Mão de mulher atirou uma moeda por sobre o gradil da fachada. Caiu na calçada." (p. 294)

Cabe ao leitor realizar as interpretações óbvias. Outros exemplos da criatividade joyciana nas descrições.

"Despejava nervosamente seu embaraço." (p. 16)
"Sorriu com uma ternura intranqüila para a janela da cozinha." (p. 88)
"O colete prímula de Buck Mulligan sacudia-se alegre com o seu riso." (p. 323)
"Seu monóculo rebrilhava irritado ao sol." (p. 325)

Na área do conteúdo, Joyce utiliza muito ditados populares e expressões corriqueiras, ora reproduzidos com fidelidade ...

"Não há rosas sem espinhos." (p. 103)

... ora alterados criativamente.

"- Quem rouba ao pobre empresta a Deus." (p. 34)
"Ódio à primeira vista." (p. 152)

Algumas definições criativas comparecem no texto:

Píer - "uma ponte frustrada" (p. 37)
Queijo - "cadáver de leite" (p. 151)

E muitos jogos de palavras, uma das preferências do autor.

. Adivinha.

"- Quem quer matar uma adivinha? - perguntou Stephen." (p. 39)
"Que ópera é vegetal e mineral? Reflictam, ..." (p. 173)
"Palhaço. Pegaram a piada? Palha e aço. Fiu!" (p. 176)

. Anagrama.

Há 4 anagramas com o nome "Leopold Bloom" na página 815.

. Acróstico.

Um acróstico na página 815.

. Criptograma.

Um criptograma na página 872.

. Palíndromos.

"- Madame oro e'm Adam. Abel met'em Leba." (p. 180)

. Charada.

"EE. Gh: és gagá." (p. 206)

. Trava-língua.

"Peter Piper picou um pito da pica de pico de picante pimenta." (p. 250)
"Alguém toca uma porta, toca-toca com um coto, cutucou o Paul de Kock, com um falastrão castão batão, com um cuco curracurracurra cuco. Cucocuco." (p. 367)
"O tape cego marchava tapetapitando com a tapeta o meio-fio, tape a tape." (p. 374)

Encontram-se ainda brincadeiras com troca de letras ...

"- Banadamente drilhante - ... " (p. 180)

... e brincadeiras com acréscimo de sílaba.

"- Muitibus obrigadibus." (p. 184)

A fala infantil está presente:

"Voi bicado bor uma apelhinha guanto ejdafa torminto no chartinchinho." (p. 549)

Na área poética, surgem rimas ...

"Abrolhos. Com antolhos em meus olhos." (p. 638)

... e muitas aliterações (repetições próximas de fonemas).

"Ginga sege ginga seginha." (p. 332)
"Um veleiro! Um véu vagando sobre as vagas." (p. 332)
" ... halo de hálito alentado." (p. 334)
"... açocascos cascossoando açossoantes." (p. 335)
"... enrolou um roliço corpo rondo." (p. 340)
"Zelo o zurzia, amor o amoldava à vontade de vagar, pesar a partir." (p. 502)
"... movente mugente multitude, matadores do sol." (p. 535)

Um exemplo de como várias dessas características do estilo joyciano podem aparecer num período:

"Cintilolhudo, o crânio rufo perto da escribilâmpada luciverdevelada buscava a cara, barbada em meio a sombras mais verdescuras, um ollav, sacrolhudo." (p. 241)

Considerando-se apenas o conteúdo, Ulisses poderia ter como subtítulo "O Elogio do Supérfluo". Fatos corriqueiros recebem uma atenção desmedida e são supervalorizados, transformados em fatos especiais, extraordinários.

"A jovem mulher com lento cuidado destacava de sua saia clara um tufinho aderente." (p. 301)

Para usar uma palavra muito cara aos críticos literários, esses fatos viram epifanias: momentos inesquecíveis, percepções maravilhosas, quase divinas.

"Tenho pensado muitas vezes ao rememorar esse estranho tempo que foi esse pequeno acto, trivial em si mesmo, esse riscar daquele fósforo, que determinou todo o sobrecurso de nossas ambas vidas." (p. 183)

Se essa visão original funciona aqui e ali, ao ser empregada em 957 páginas torna-se desgastada e tediosa. A impressão geral deixada pelo romance é a de um menino que ganhou um brinquedo e não quer parar de brincar com ele. Passou longe de Ulisses a aplicação de uma regra artística fundamental: o critério de seletividade, ou seja, o uso criterioso de uma técnica, apenas no tempo e na quantidade necessárias para gerar o efeito desejado. Como vimos antes, a intenção original de Joyce não incluía essa preocupação quanto à escolha do material, e sim o acúmulo incontável de efeitos lúdicos e enigmáticos. E a exibição autocomplacente de uma versatilidade lingüística inigualável.

"Juro pelos meus botões que se a gente apanha uma palha do puto do chão e fala pro Bloom: Olha pra isto, Bloom. Vê esta palha? Isto é palha. Juro pela minha tia que ele pega a falar a respeito por uma hora e na certa ainda podia continuar falando." (pp. 410-411)

Redigindo joycianamente: por tudo, em termos de conteúdo, Ulisses é a glorificação da palha do chão.

A única parte realmente legível do romance é o final (895-957), o monólogo interior de Molly Bloom, um trecho contínuo sem nenhuma pontuação. Uma espécie de recompensa tardia a quem tanto perseverou. Na primeira vez que li um trecho dessa parte, há muitos anos, num livro sobre a técnica do romance, comecei a colocar os sinais de pontuação e gostei do exercício. Sei que soa como um desplante aos joycianos, mas sugiro a prática aos professores de Português. Depois, poderão dizer, com orgulho: "Meus alunos leram Joyce". E ainda aprenderam pontuação.

Nesse final, pela primeira vez em todo o romance, um personagem ganha vida porque podemos acompanhar seus pensamentos sem a interferência do narrador, sem seus jogos de palavras, neologismos e outras novidades de forma e de conteúdo que atrapalharam o contato com os outros personagens, nas mais de 800 páginas anteriores. O efeito é curioso: Molly torna-se a lembrança mais agradável da leitura de Ulisses.

Concluindo, eis o que significa Ulisses para mim (e lembre-se: somente para mim):

Como leitura, isto é, como uma obra a destinada a leitores comuns ou mesmo exigentes, um desastre literário, a garantia de horas, dias e semanas do mais intenso tédio e exasperante falta de compreensão, experiências causadas pelos desafios lingüísticos e enigmísticos exagerados e por uma verborragia vazia e insuportável.

Como repositório de técnicas literárias originais (em seu tempo), isto é, como uma obra destinada a escritores e estudiosos da literatura, um manual valioso, a ser consultado esporadicamente para servir de referência na aplicação dessas técnicas.

Como romance-enigma, isto é, como uma obra destinada a seu principal público-alvo, os apreciadores de enigmas, uma criação única, garantia de anos de diversão, mesmo para os mais exigentes enigmistas.

"Oh, droga! - disse ela. - Por que não dizer isso com palavras de todo mundo?" (p. 85)
"Achas minhas palavras obscuras. Escuridade está em nossas almas, não achas?" (p. 67)

Não, não acho.

Agora, se você quiser, leia e tire suas próprias conclusões.


Referências

Ulisses, James Joyce, Civilização Brasileira, 2000.

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As Sereias

Capítulo 11: As Sereias

Quatro horas da tarde e a cena agora é no bar do hotel Ormond. O episódio é cheio de cantos e músicas, num paralelo ao canto das sereias na Odisséia. É interessante o paralelo feito, visto que a música no episódio tem o poder de criar uma atmosfera de nacionalismo.

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Mais um Passeio Pela Internet

O Biajoni, que está cuidando da sua filhinha que acabou de nascer, escreveu no ano passado um texto bem humorado sobre Joyce. Para quem não conhece, aqui vai o link. Leiam!

Também no ano passado, o Bruno Garschagen entrevistou a tradutora Bernadina Pinheiro, responsável pela tradução da obra que foi publicada pela editora Objetiva no ano passado. Para quem não leu, a entrevista pode ser encontrada aqui.

O Aguinaldo manda avisar que tem Bloomsday lá em Santa Maria, RS. A programação completa você pode encontrar aqui. Se você puder, não perca.

O Bill também colocou texto lá no seu blog junto com um trecho da obra. Acessem clicando aqui.

Seguindo a dica do Moziel, o site do Aran publicou tirinhas sobre Joyce. Vejam aqui.

E a Meg - com um carinho maior do que mereço - lincou pra cá e também fala de Joyce. Tem a dica de um site imperdível lá. Clique aqui e acesse.

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Os Rochedos Serpeantes

Capítulo 10: Os Rochedos Serpeantes

Às 3 horas da tarde, um enorme número de personagens invadem as páginas da obra. São dezenove breves episódios – dezoito partes (um espelhamento dos dezoito capítulos da obra) e uma coda final -, sem uma seqüência temporal clara. Os personagens aparecem cada um em sua mini-odisséia e o capítulo é como um interlúdio da obra, para que a partir do próximo capítulo, Joyce inicie a segunda metade do livro. O texto, um dos mais complexos do livro, é como um aviso ao leitor: se você acha que conhece Dublin e conhece o modo de Joyce escrever, engana-se. Aqui tudo é diferente.

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Mais Textos

No Cronópios, grandes textos sobre Ulisses e Joyce:

"James Joyce: um viajante circular ou babélica explosão" de Gilfrancisco Santos é nota dez.

Caetano Waldrigues Galindo, que também traduziu a obra, escreve, dentre outras coisas, este trecho que parece ser a descrição mais perfeita que já vi da obra:
"O livro transcorre em um só dia (16 de junho de 1904, o Bloomsday dos aficionados). Mas isso não é grandes coisas. O barato é que o livro é um dia. Ele tem um biorritmo. Ele acorda lento, atinge um ápice de empolgação e depois fica com sono. E dorme, inclusive. Ou seja, pode esperar que à medida que o livro fique com sono as coisas fiquem mais difíceis de entender."

Leia o texto completo "Uma ou duas coisas que eu aprendi sobre o Ulysses".

Por último as experiências de Ana Guimarães, curtindo um Bloomsday em Dublin. Leia e veja as fotos clicando aqui.

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Cila e Caribde

Capítulo 9: Cila e Caribde

São duas da tarde e Stephen está na Biblioteca Nacional de Dublin. Posteriormente Bloom também passará por lá. Stephen explica sua teoria sobre Shakespeare e Hamlet que Mulligan pediu para que ele explicasse a Haines no primeiro capítulo. Stephen afirma que Hamlet era fruto de uma relação verdadeira, assim como o filho de Shakespeare, Hamnet, teria sido fruto de uma relação adúltera de Ann Hattaway. O pai fantasma na peça seria o próprio Shakespeare e a traidora Gertrude a própria Hattaway. Mulligan aparece na biblioteca e ridiculariza a teoria de Stephen. Na obra de Homero, Odisseu é obrigado a passar entre a divina Caribde e do rochedo do monstro Cila. Em “Ulisses”, Caribde é representada pelo poeta A. E. e Cila o próprio Stephen.

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Ulisses na Tela

E que tal a obra de James Joyce adaptada ao cinema? Duas dicas para conferir. No Brasil, não sei se é possível achá-los, mas de qualquer modo vale a tentativa.

Leia informações sobre Ulysses e Bloom (neste site você encontra fotos e trailers).

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Os Lestrígones

Capítulo 8: Os Lestrígones

Uma da tarde, Bloom passeia pelo centro de Dublin. Novamente muitos pensamentos, ele pára no restaurante do Hotel Burton para comer, mas depois vai até o bar Davy Byrne. Na Odisséia, muitos homens do herói são mortos pela tribo canibal dos lestrígones e o episódio de Ulisses traz muitas alusões à comida e às práticas de degustação.

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Éolo

Capítulo 7: Éolo

Ao meio-dia, Leopold Bloom está na redação do jornal Weekly Freeman and National Press e o Freeman's Journal and National Press para fechar o contrato de um anúncio. O evento corresponde na Odisséia à narrativa sobre Éolo, quando o deus dos ventos prende todos os ventos adversos numa sacola para que Odisseu volte seguro a Ítaca. Mas os homens que estão com Odisseu abrem a sacola e fazem com que os ventos saiam, causando problemas. O episódio é um dos mais divertidos do livro, onde Joyce escreve a narrativa em forma de manchetes seguidas de notícias.

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Alguns Links em Inglês

Um texto mais antigo na The Economist sobre o Bloomsday:
An unforgettable odyssey

Uma crítica ao livro, aqui no Guardian:
Overlong, overrated and unmoving: Roddy Doyle's verdict on James Joyce's Ulysses

E na BBC, mais informações sobre a obra:
Cheat's guide to Joyce's Ulysses

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Proteu e Hades

Capítulo 3: Proteu

Estamos em Sandymount Strand, são 11 horas. Stephen está andando pela praia, gastando tempo pois se encontrará com Mulligan no bar The Ship ao meio dia e meia. Ele pensa em visitar sua tia Sara e seu tio Richie Goulding. Boa parte do capítulo é uma descrição da visita que Stephen imagina, mas que não fará. Um fluxo de consciência que prova a qualidade do texto de James Joyce. Especialmente os dois primeiros parágrafos, dificílimos, apresentam um amontoado de pensamentos de Stephen, todos misturados. Stephen pensa sobre Aristóteles, que Dante chama de maestro di color che sanno ou mestre daqueles que conhecemos (na tradução de Houaiss, na 13 edição, o texto está na página 52). No segundo parágrafo, a palavra nacheinander se refere a objetos que são percebidos no tempo; nebeneinander a objetos que são percebidos no espaço. O paralelo com a Odisséia aqui é bem geral. No livro de Homero, Menelau diz a Telêmaco como ele deve agarrar Proteu, o deus do mar, para que ele ensine como transpor o mar até seu pai. Aqui, Joyce através do fluxo de consciência, mostra-nos as mudanças que ocorrem no interior de Stephen.

Capítulo 6: Hades

Também neste horário, Bloom se encontra fora da casa do falecido Paddy Dignam em Sandymount. Bloom entra numa carruagem que vai acompanhar o cortejo até o cemitério Glasnevin. Nela estão estão também Martin Cunningham, Power e Simon Dedalus, pai de Stephen. Na Odisséia, o herói Odisseu visita o Hades, o lugar dos mortos, que corresponde ao cemitério onde Dignam é enterrado. Neste capítulo Martin Cunningham é uma espécie de Sísifo, um símbolo grego para a futilidade. O padre Coffey, que conduz o funeral, é descrito de modo bem humorístico como um cão, num paralelo com Cerberos.

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Nestor e Os Lotófagos

Capítulo 2: Nestor

Agora estamos na escola do senhor Deasy, onde Stephen Dedalus está lecionando. A escola se encontra na avenida Dalkey, cerca de uma milha distante da torre Martello. São 10 horas e Stephen faz perguntas de histórias para seus alunos. O senhor Deasy representa Nestor da Odisséia, o primeiro amigo de Odisseu que Telêmaco visita depois que ele deixa Ítaca em busca de informações sobre seu pai.

Capítulo 5: Os Lotófagos

Bloom anda em direção ao correio Westland Row Postal Annex para colocar uma carta para Martha Clifford. Na obra de Homero, Odisseu e seus homens vão à terra dos lotófagos, que são bastante hospitaleiros. No entanto, ao comer as flores, os homens se esquecem de que devem voltar para casa. A Irlanda é aqui retratada assim, como a terra dos lotófagos, com seu povo vivendo uma constante letargia. Diversas vezes neste capítulo são feitas referências a produtos químicos - por exemplo, Bloom encomenda uma loção para Molly - e a flores - no fim do capítulo ele compara seu pênis, durante o banho, a uma "lânguida flor flutuante".

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O II Bloomsday pelos Blogs

Vamos começar nossa odisséia também pelos blogs.

Num texto bem informativo no Obusilis, encontramos uma série de informações sobre Joyce e o Bloomsday, além de links com mais informações. Acessem o "Viva o Bloomsday!" clicando aqui.

A Claire, em seu blog, fala de um capítulo especial para ela, o capítulo 17, "Ítaca". Leia o texto no blog dela, clicando aqui.

O Idelber no "Biscoito Fino", resume toda a história em um parágrafo, e lista vários links interessantes. Acessem o post clicando aqui.

O Lucas Murtinho também faz seus comentários, defende o romance daquela conhecida afirmação de que Joyce sacrificou o conteúdo em nome da forma e, depois de rechear o texto com informações, conclui afirmando que "Ulisses é o melhor romance de todos os tempos". Acessem o "Bom Dia, França" clicando aqui.

Se você também escreveu algum texto avise aqui na caixa de comentários para a gente!

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Telêmaco e Calipso

Embora James Joyce originalmente não dividiu o romance em capítulos numerados ou nomeados, a divisão que segue abaixo é bastante conhecida e citada entre os leitores da obra. As cenas dos capítulos 1, 2 e 3 ocorrem paralelamente as cenas dos capítulos 4, 5 e 6, por isso aparecerão juntos:

Capítulo 1: Telêmaco

São 8 horas. Estamos na torre Martello de Sandycove, em Dublin. Stephen Dedalus está se levantando. Junto com ele moram na torre também Buck Mulligan e Haines. Stephen representa o Telêmaco da Odisséia de Homero, que deixa Ítaca em busca de seu pai Odisseu (Ulisses). A última palavra do capítulo é "Usurpador", que é como Stephen vê a Buck Mulligan, tal qual na Odisséia, quando vários homens estão tentado usurpar o trono de Odisseu.

Capítulo 4: Calipso

Neste mesmo horário, Leopold Bloom prepara seu café-da-manhã em seu lar na 7 Eccles Street. Bloom quer preparar um rim de porco para seu desjejum e sai à rua para comprá-lo. Ao retornar para casa abre sua caixa de correio e encontra uma carta de Boylan. Molly ainda está na cama. Ele toma seu café e depois leva café à cama para Molly. O paralelo com a Odisséia se refere à cena em que Odisseu se torna prisioneiro por sete anos de Calipso. Bloom do mesmo modo é um prisioneiro de sua esposa Molly.

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A Gênese da Obra

Em 30 de setembro de 1906, num cartão postal a Stanislaus Joyce, James Joyce escreveu:
"I have a new story for Dubliners in my head. It deals with Mr Hunter."

Embora não mencione o nome da obra, James Joyce posteriormente diria que o livro teve seu começo em Roma (de onde o postal foi mandado).

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No Dia Anterior

To Nora Barnacle

MS. Cornell

15 June 1904

60 Shelbourne Road


I may be blind. I looked for a long time at a head of reddish-brown hair and decided it was not yours. I went home quite dejected. I would like to make an appointment but it might not suit you. I hope you will be kind enough to make one with me – if you have not forgotten me!

James A Joyce


Transcrição de uma carta de James Joyce, encontrada no livro "Selected Joyce Letters", editado por Richard Ellmann, página 21.
Nora Barnacle se tornaria a esposa de James Joyce e ele se encontrou com ela pouco antes da data desta carta, marcando um encontro para o dia 14. Ela não conseguiu chegar no horário e o encontro ocorreu depois, em 16 de junho de 1904. O dia foi escolhido como o dia das ações de "Ulisses".

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I said yes I will Yes

Bem-vindos ao dia 16 de junho e a partir de agora começa o segundo Bloom-Blogsday, o Bloomsday dos blogs. Durante todo o dia vários textos serão postados sobre "Ulisses" e James Joyce. Também, das 8:00 hs da manhã do dia 16 às 2:00 hs da manhã do dia 17, posts acompanharão Stephen Dedalus e Leopold Bloom por nossa Dublin virtual. Todos estão convidados a participar desta Odisséia. Divirtam-se.

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14 junho 2006

II Bloom-Blogsday


É depois de amanhã. Fiquem atentos, da meia-noite do dia 16 em diante, uma chuva de textos sobre "Ulisses" por toda a web.

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09 junho 2006

A Aposta de Machado de Assis

Ironias finas, texto elegante, estilo surpreendente para a época. Tudo isso pode ser dito de um dos maiores escritores brasileiros, Machado de Assis. No entanto, poucos param para refletir sobre um dos maiores acertos do escritor: sua aposta nos leitores. Machado de Assis, antes de escrever "Memórias Póstumas de Brás Cubas" e "Dom Casmurro", havia escrito romances que podem ser classificados como populares. O romance "Helena", por exemplo, é o típico romance-folhetim: uma personagem descrita de modo perfeito, romântico, para que o leitor já nas primeiras páginas reconheça a fórmula e siga a leitura, tal qual hoje acontece com as novelas televisivas. Nos primeiros capítulos do romance, a família de um conselheiro durante a leitura de seu testamento, surpreende-se com o reconhecimento de uma filha chamada Helena. Notem como, após a introdução dela na família, a descrição parece ser a mesma de um sem-número de heroínas dos clássicos brasileiros que lemos na juventude:

"Era uma moça de dezesseis a dezessete anos, delgada sem magreza, estatura um pouco acima de mediana, talhe elegante e atitudes modestas. A face, de um moreno-pêssego, tinha a mesma imperceptível penugem da fruta de que tirava a cor; naquela ocasião tingiam-na uns longes cor-de-rosa, a princípio mais rubros, natural efeito do abalo. As linhas puras e severas do rosto parecia que as traçara a arte religiosa. Se os cabelos, castanhos como os olhos, em vez de dispostos em duas grossas tranças lhe caíssem espalhadamente sobre os ombros, e se os próprios olhos alçassem as pupilas ao céu, disséreis um daqueles anjos adolescentes que traziam a Israel as mensagens do Senhor. Não exigiria a arte maior correção e harmonia de feições, e a sociedade bem podia contentar-se com a polidez de maneiras e a gravidade do aspecto. Uma só coisa pareceu menos aprazível ao irmão: eram os olhos, ou antes o olhar, cuja expressão de curiosidade sonsa e suspeitosa reserva foi o único senão que lhe achou, e não era pequeno."


Embora pode-se reconhecer através do texto um escritor talentoso, é preciso admitir também que o escritor trata o leitor como um bobinho, um leitor que está ali apenas para construir aquela imagem romântica na mente e seguir os capítulo da novelinha, sem nenhuma preocupação em escrever algo diferente do cenário da época. Traçando um paralelo com nossos dias, poderíamos dizer que Machado de Assis poderia ganhar muito dinheiro escrevendo roteiros de novelas seguindo uma fórmula de sucesso.

Como era de se esperar, em "Helena" o final é perfeitamente previsível, cuidadosamente preparado para causar um impacto emocional no leitor - no caso possivelmente o público feminino. O leitor é levado até a 'crise' da mocinha e derrama lágrimas por sua morte. Tal efeito era a garantia comercial para o sucesso da publicação e, consequentemente, para um novo contrato de publicação de um novo folhetim. Viver com essa garantia de sucesso comercial era talvez tudo o que um escritor da época poderia imaginar como sucesso. Mas Machado de Assis paradoxalmente resolveu abandonar tudo isso quando começou a publicar "Memórias Póstumas de Brás Cubas". A famosa dedicação inicial da obra revela isso:

"AO VERME QUE PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES DO MEU CADÁVER DEDICO COMO SAUDOSA LEMBRANÇA ESTAS MEMÓRIAS PÓSTUMAS"


Já no título e na primeira frase da obra percebemos que Machado de Assis passou a rejeitar a idéia de que somente se se escrevesse para um público bobinho, ele poderia obter sucesso. Machado de Assis passou a apostar em outro tipo de público, um leitor mais qualificado, capaz de interpretar as ironias de seu texto e de perceber a invetividade de sua nova obra. Com um refinamento ainda maior, Machado de Assis poderia assim construir ambigüidades próprias em seu texto, que tornariam a interpretação de sua obra muito mais do que uma construção de imagens românticas. Somente essa coragem de abandonar o caminho fácil da fórmula romântica e acreditar na capacidade do leitor de evoluir, já faz de Machado de Assis um escritor a ser admirado. Daí, quando lemos "Dom Casmurro" e percebemos sua capacidade de fazer com que o leitor perceba como a voz de um narrador pode nos trair, levando-nos a um julgamento falso, vemos um escritor ímpar, que ampliou os limites da literatura, fazendo com que nós leitores, derivássemos um prazer ainda maior: o prazer de duvidar do que lemos. E talvez esta seja sua qualidade mais destacada, de acreditar no leitor mais inteligente.

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08 junho 2006

Primeiro Livro do Clube de Leituras do Idelber

Os textos do Clube de Leituras do Biscoito Fino já começaram a ser postados. Nesta primeira rodada - que infelizmente só acompanho de longe - o livro "Duas Vezes Junho" está em pauta. Leiam os bons comentários sobre a obra clicando aqui.

E quem quiser, pode já começar a ler "Grande Sertão: Veredas", o próximo da lista.



UPDATE
O Idelber publicou no blog dele uma entrevista com o autor. Imperdível.

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06 junho 2006

Luzes Sobre Nossos Dias

Nos tempos em que vivemos, quando observamos a violência e a bandidagem crescerem de modo a imaginar um futuro cada vez mais negro, vemo-nos com a necessidade de refletir sobre o ser humano, pensar suas realizações e suas faltas, tentando descobrir nos erros do passado um modo de acertarmos o futuro. O grande sonho, uma humanidade feliz e em paz, está incutido no ser humano e por causa de tal sonho muitos pregaram revoluções que hoje, vistas a certa distância pelo tempo, reconhemos uma certa ingenuidade nas propostas apresentadas. São estes pensamentos que agora vêem à minha mente, após a leitura do excepcional romance de Alejo Carpentier, chamado "O Século das Luzes".


Dentre todos os chamados romances históricos, talvez nenhum outro foi tão sincero em nos dizer que os maiores sonhos da humanidade tiveram embutidos neles também as mais bem formuladas falácias. Um misto de desânimo e tristeza paira sobre o leitor após encontrar o último ponto final da obra e é preciso algum tempo até nos recuperarmos do choque.

A obra de Carpentier nos faz voltar no tempo até a Revolução Francesa no fim do século 18. O primeiro cenário é Cuba, onde três jovens vêem suas vidas mudarem com a morte do patriarca da família. Os irmãos Carlos e Sofia, além do primo Esteban, passam a partir daí a viver de modo recluso, numa vida entediada, mas tranqüila, até a chegada do estranho personagem Victor Hugues. Embora saibam pouco a respeito do visitante, ele cada vez passa a ter um papel maior na vida deles, até a grande descoberta: Hugues é um representante dos ideais da Revolução Francesa, que estava em marcha na Europa, que sonha com a implantação desta revolução também ali no Caribe.

Com o crescimento do movimento revolucionário, começamos a ver como os belos sonhos do início transformam-se cada dia mais em amargos pesadelos. Pelos olhos de Esteban, que por causa de alguns eventos é obrigado a viajar para a França em companhia de Hugues, vemos de modo nítido a mudança. Já não há mais as reuniões com o clima da solidariedade; no lugar dela, surge a imposição e a desconfiança. Um dos momentos mais impactantes da narrativa é quando Esteban descobre a guilhotina sendo transportada para as ilhas. Victor, que de reacionário transfigurou-se numa caricatura de Robespierre, agora é descrito pelo personagem como uma Alegoria, assim mesmo, com sua primeira letra maiúscula, dum modo que ressalta a deformação do ser humano em favor do sonho revolucionário.

Embora o autor fosse cubano e ligado à esquerda, a obra não pode ser reduzido a um simples panfleto ideológico, contra ou a favor da revolução. Notamos um cuidado ao pesquisar os eventos históricos e uma poesia admirável ao narrá-los. Em nenhum momento a beleza da literatura é subjugada por uma expressão rasteira de qualquer identidade política. O autor parece transcender a isso, embora o romance tenha material suficiente para apoiar uma ou outra opinião política. O escritor, dum modo muito competente, não cai nessa armadilha e percebemos todo o tempo o esforço em narrar a história dum modo singular, num estilo bem próprio.

Por tudo isso, depois de ler o romance e pensar sobre a ficção apresentada, vemos que se trata de uma verdadeira obra-prima, um livro que fala do século das luzes, iluminando a figura do ser humano. Poucos são os livros que nos dão esta sensação, de que acabamos de ler algo relevante, um texto que produzirá uma série de reflexões importantes durante muito tempo. Enxergamos um ser humano múltiplo, que às vezes irrefletidamente se entrega ao fervor de um sonho e que percebe ao final que todo seu empenho produziu resultados contrários ao que esperava. Perguntamo-nos no fim: "será que não estamos também sendo ingênuos?". Quando seres humanos são desumanizados por criminosos e em resposta policiais se desumanizam para combatê-los, criando um espetáculo de violência transmitido em horário nobre, não somos também um pouco ingênuos por imaginar que o fim desse combate tornará o ser humano melhor ou a sociedade mais próxima do sonho de paz e felicidade? No fim disso tudo, valerá realmente a pena? O maior problema talvez nem seja não saber as respostas, mas perceber tantas pessoas ao nosso redor que nem ao menos se fazem estas perguntas.

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Mia Couto e Seu Novo Livro

"O livro critica a visão que se tem da África como território do exótico e das crendices, e que acaba tornando-se um preconceito cristalizado ao vincular a idéia do arcaico, do primitivo. Como desconstruir esta mitificação?

COUTO: Um modo é mostrar que, afinal, não somos tão diferentes. A condição humana atravessa de forma semelhante os habitantes de diversas culturas. O mais importante não é recear as diferenças, mas não olhar para elas como produto da natureza, da biologia, dos genes. Essa diversidade é resultado de histórias diferentes. E essas histórias estão, em geral, mal contadas. Como dizia Guimarães Rosa: a História recusa as estórias. E é preciso reinjetar estórias na História para a desoficializar e a tornar mais próxima e mais humana.
"

Entrevista de Mia Couto ao caderno Prosa & Verso do jornal "O Globo". Para ler a entrevista completa clique aqui.

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05 junho 2006

Outro Blog

Para quem ainda não conhece, a dica do dia é excelente o blog "Outra Babel", do Vinicius Jatobá. Destaque para o texto sobre "O Som e a Fúria" um dos melhores livros que já li e que recomendo enfaticamente. Leia o texto clicando aqui.

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03 junho 2006

Bloom-Blogsday 2006

Gostaria de convidá-lo para no dia 16 de junho fazermos o segundo Bloom-Blogsday. O Bloomsday é uma data festiva, que o mundo inteiro comemora, dedicada ao escritor irlandês James Joyce, cuja obra literária revolucionou a Literatura moderna. A data refere-se ao dia em que Joyce teve um encontro especial com sua futura mulher, Nora Barnacle. Esta data, em 1904, norteou "Ulisses", protagonizado pelo personagem Leopold Bloom, do qual se extraiu o nome do evento, o Bloomsday. No ano passado, o "Odisséia Literária" e outros blogs de língua portuguesa falaram sobre Joyce e "Ulisses" de vários modos - trechos da obra, comentários, posts nos blogs e até uma entrevista com uma tradutora - com grande sucesso. Se quiser saber como foi o Bloom-Blogsday de 2005, poderá visitar os arquivos do blog e procurar os posts do dia 16. Pois bem, no dia 16 novamente postarei sobre "Ulisses", com trechos da obra e links com informações. Se quiser você poderá participar escrevendo também (gosta? não gosta? leu? não leu? enfim, discuti-lo...). Para isso, você poderá abrir a caixa de comentários deste blog no dia 16 e postar seu texto ou poderá postar em seu próprio blog e informar-me. Se não puder acessar a net no dia não tem problema: mande-me um mail (leandrooliveira [arrôba] hotmail.com ou odisseialiteraria [arrôba] gmail.com) que no dia eu publicarei no site. O evento tem como objetivo criar a maior discussão literária simultânea da internet e nenhum dos participantes terá qualquer remuneração. Se quiser participar, não se esqueça de dizer nome e blog, se houver. Se quiser poderá divulgar em seu blog, mas por favor evite o envio de mensagens em massa para blogs ou caixas de e-mail. Muito obrigado e até lá.

INTROIBO AD ALTARE DEI.

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02 junho 2006

Vem Aí



Dia 16 de junho. Preparem-se.
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