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09 maio 2006

Auto-ajuda e Leitores

O sucesso do chamado mercado de auto-ajuda reflete bem uma característica marcante do leitor brasileiro: a necessidade de efeitos imediatos. Vendo isso, o diagnóstico claro é que o brasileiro lê mal. Sem discutir a qualidade medíocre dos conselhos que a maioria desses livros traz, o que notamos que existe em comum entre todos eles é a capacidade que o leitor tem de, ao virar a última página, notar-se revestido de uma suposta sabedoria imediata. O leitor se sente mais sábio e por isso compra livros de auto-ajuda. Não há necessidade alguma de meditação ou avaliação dos conselhos, é preciso apenas admitir que tais conselhos são verdadeiros e úteis, revestir-se de auto-confiança e dizer para si mesmo "sou capaz de tudo". O que antes era conseguido à custa de bastante tempo - leitura de vários livros, debates, meditação e experiência pessoal - hoje é prometido em sessenta minutos ou menos. O resultado é um mercado cada vez mais lucrativo e uma população cada vez menos instruída.

É possível que o sucesso do mercado de auto-ajuda seja apenas um reflexo de um problema pior: a falta de utilização de recursos mais avançados da linguagem. A maior parte dos leitores esperam que a linguagem tenha capacidade apenas objetiva. Quando o leitor encontra num texto qualquer a palavra 'casa' ele espera apenas que esta tenha o significado habitual de uma edificação com portas e janelas. Metáforas, metonímias, paranomásias, ironias e outros recursos não são recomendados, correndo-se o risco do texto ser classificado como incompreensível. No máximo, uma histórinha bobinha de ratos em busca de queijos, mas onde a comparação seja explicitada e explicada de forma 'inteligente'. Num mundo onde a pessoa está acostumada a receber conteúdos já decodificados através da televisão, passar ao leitor a responsabilidade de interpretação da linguagem parece ser algo bastante ultrapassado. Afinal, para que decifrar conteúdos se a sabedoria pode ser conseguida comprando-se o livro da prateleira ao lado?

Com isso em mente, é fácil perceber porque quase não existe debates profundos sobre literatura em meios mais 'populares'. A maioria dos leitores não está habilitado a encontrar significado naquilo que não está explicitado do modo mais óbvio. Se, por engano, o leitor se vê com um livro mais 'complicado' nas mãos, sua reação é simplesmente dizer que não gostou dele. E na maioria das vezes quando perguntado sobre o porquê de não ter gostado ele diz simplesmente que não entendeu nada. É a reação mais natural de um país cujo sistema educacional de ensino fundamental não tem qualquer preocupação em estimular seus alunos à pesquisa. Daí, ao invés de tentarem procurar o significado daquilo que não entendeu, o leitor apenas passa a outro livro mais 'fácil'. Nunca lhes vêm à mente que o problema pode ser ele mesmo. Prefere achar que o autor é ruim, quando não encontra imediatamente algo na obra. Ele sempre admite-se um leitor qualificado.

Na literatura de auto-ajuda a falta de entendimento praticamente não acontece. O objetivo ali não é produzir nada novo através da linguagem. Tem objetivo de apenas veicular uma mensagem que poderia ser gravada num cd ou num vídeo. Aliás, muitos homens do ramo perceberam isso e já o fazem. As editoras, que são empresas interessadas no lucro, serão as encarregadas de maximizar os ganhos por vender esta imagem de sabedoria - seja ela escrita pelo Dalai Lama, seja por um Phd qualquer que ninguém conhece.

Por isso, vejo a discussão sobre o pequeno espaço que a literatura - ou a crítica literária - possui nos jornais e revistas como algo improfícuo. Falar da ampliação desses espaços sem falar no esforço de qualificação do leitor é apenas arranhar o problema. Este é apenas um sintoma, não a causa. Também acredito que nunca se conseguirá uma ampliação satisfatória no número de livros vendidos se os leitores não estiverem habilitados a se interessarem por livros que utilizam a linguagem dum modo mais avançado. Pessoas com boa renda ainda acharão poesia um monte de bobagens, se só estiverem habilitadas a ler objetivamente. Num cenário como este é quase impossível imaginar alguém vivendo somente por produzir literatura. E o futuro parece ser ainda pior.
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