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18 julho 2005

Insistindo

O MyBlogLog dedou, não adianta. Quase ninguém clicou no link para meu texto no Burburinho. Como eu sou um chato insistente, posto ele aqui também. Erico Verissimo, o escritor que venceu o tempo, merece. Eis o texto abaixo:

Erico Verissimo

Desde há muito tempo, a humanidade anseia a longevidade. De antigos imperadores chineses, buscando a fórmula mágica da imortalidade através de elixires, até os atuais tratamentos estéticos avançados, o que se percebe é uma tentativa constante de controlar o tempo, prolongando-o. Com o domínio da palavra, o ser humano conseguiu uma arma poderosa para fugir dessa prisão. Apesar disso, podemos dizer que nem todos os que a utilizaram foram bem sucedidos e suas palavras desapareceram pelo efeito do tempo. No entanto, alguns grandes escritores conseguiram usar belamente suas palavras, extraindo mais vida do dia a dia, como se o tempo fosse apenas uma massa de modelar. Com certeza, entre estes poucos privilegiados podemos incluir o escritor Erico Verissimo. Suas obras estão disponíveis para provar isso.


Antes de citar sua obra-prima que trata justamente do tempo, é necessário analisar sua estratégia de subjugar o tempo em suas memórias - Solo de Clarineta, volumes 1 e 2. Embora a memória nem sempre seja fidedigna - afinal, ela maximiza nossas alegrias ao passo que dilui muitas de nossas decepções - ela exige reflexão e cuidado para ser apresentada, tornando o escritor um verdadeiro artesão do tempo. Se alguns poucos minutos são importantes, como o relato onde Sebastião Veríssimo se despede do futuro escritor na estação ferroviária de Porto Alegre, estes são então prolongados e descritos em minúcias, ampliados, tornando-se assim mais significativos. Ao ler o relato em suas memórias quase que podemos ver o rosto desiludido do tempo percebendo sua derrota, observando que palavras tão bem escritas simplesmente continuarão ecoando na memória de muitos e se estenderão, tornando-se momentos significativos e não apenas meros minutos.


Daí, ao examinar a obra O Tempo e o Vento, podemos afirmar que a vitória foi arrasadora. Erico Verissimo já não mais tenta dominar um tempo próprio, que ele mesmo viveu, mas passa a dominar o tempo de outras gerações. Estas gerações, embora afastadas do próprio escritor pelo tempo, também fazem parte de sua história, pois foram pessoas destas gerações que construíram o sul do país e conseqüentemente Cruz Alta, cidade onde nasceu. Erico criou personagens que deram voz a estas pessoas, causando o efeito inverso do tempo, ou seja, aproximando-as de nós. Ana Terra, Capitão Rodrigo, Licurgo Cambará, Bibiana, Luzia, José Lírio, Fandango, Dr. Rodrigo, Flora, Sílvia, Floriano, personagens que embora façam parte da ficção, parecem ser reais em nossa imaginação, como se estivessem presentes nos fatos históricos do Rio Grande. Através da leitura, portanto, dos três volumes da obra, somos conduzidos pelo escritor a uma viagem no tempo, que começa nas missões jesuítas, em 1745, e nunca se encerra, já que no final do último tomo Floriano começa a escrever a história de sua família, exatamente a mesma primeira linha que foi escrita no primeiro tomo da obra. Mas Erico Verissimo fez ainda mais: satirizou este eterno inimigo ao escrever Incidente em Antares, considerado por alguns como o quarto volume da obra. Lá, ele escreve sobre mortos que se recusam a ocupar seu lugar no esquecimento e de modo bem engraçado, infernizam a vida dos vivos.


Erico Verissimo nasceu em 1905 e, embora falecido em 1975, sua vida ainda continua presente através de seus maravilhosos livros. Traduzido para vários idiomas, é considerado um dos maiores escritores da língua portuguesa do século XX. Seu filho, Luis Fernando Verissimo, classificou-o apropriadamente como um "escritor de vanguarda", que apesar de seu vasto conhecimento da literatura, preferiu ser simplesmente um contador de histórias - segundo sua própria definição -, acessível à grande maioria dos leitores. Por ocasião de seu centenário, temos a oportunidade de legitimar a ampla vitória deste escritor sobre o inimigo implacável que é o tempo, ao apanhar um de seus livros na estante e nos deleitar com suas palavras. Um deleite, aliás, inigualável.

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