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22 junho 2005

O Clima da Obra

Algo muito raro hoje em dia é encontrar um livro que, antes de mais nada, seja um livro 'climático'. Hoje em dia a moda é misturar todos os gêneros que você puder ao escrever e produzir o máximo de sensações possíveis no leitor. Isso, é claro, embora produza um ou outro bom livro, em sua grande maioria, sai uma porcaria. Até mesmo os livros policiais que antigamente possuíam apenas aquele delicioso clima ‘noir’, se tornaram engraçados, chatos, românticos, violentos, repugnantes, etc., tudo ao mesmo tempo. Não gosto dessa obsessão por parecer moderno por misturar todo tipo de sensações numa só história, mas sei que sinto falta daquele livro que possuía um clima o tempo todo e que esse clima fica cada vez melhor a cada página.



Para exemplificar isso que digo, vejam "O Coração das Trevas" de Joseph Conrad. Embora, eu não goste muito dos livros de Conrad que já li, não posso negar que "O Coração das Trevas" é simplesmente o supra-sumo dos livros 'climáticos'. Marlow é um personagem excelente, Kurtz surpreendente, mas o grande feito de Joseph Conrad foi conseguir construir um clima no livro que supera qualquer personagem. Aliás a importância do clima parece ser maior até que a própria história. O clima todo é sempre único, uma sensação que incomoda e que a cada página incomoda mais e mais até atingir seu clímax nas palavras de Kurtz: "O horror!". Para quem já leu a obra, é difícil imaginar um livro tão contraditório em sua formulação: se por um lado a história é simples (Marlow é designado para encontrar um maluco no fundão da África), sua estrutura é muito complexa (o foco é sempre o ponto de vista de Marlow sobre Kurtz, dum modo que os dois vão se aproximando até que finalmente se encontram). Pela simplicidade da proposta - o livro concentra-se na maior parte das vezes em apresentar-nos os pensamentos de Marlow em sua viagem pelo rio - seria fácil criar um livro ruim e mais difícil criar um clima próprio, mas não é o caso. O que vemos é sempre um cuidado em pintar um quadro cada vez mais obscuro e exaltar o clima ‘noir’ da obra. Próximo do encontro entre os dois personagens, temos a impressão de estarmos lendo um livro com os olhos embaçados por uma fumaça. Vemos alguns traços e procuramos construir um quadro na mente, completando os espaços vazios com informações hipotéticas. Assim como Marlow, estamos ansiosos em descobrir quem realmente é Kurtz, embora ao final continuemos completando os espaços nós mesmos.

Ao ler "O Coração das Trevas" e perceber o cuidado que o escritor teve para nos fazer sentir incomodados, vejo o porquê de hoje criar um livro com um clima esteja tão fora de moda. Pode-se usar tal mistura como uma maquiagem, ou seja, a mistura de sensações cria uma bela oportunidade para que as deficiências sejam varridas para debaixo do tapete. Afinal, antes mesmo de percebermos o drama, vem logo uma piada que muda o nosso foco e nossa percepção. Assim, é mais fácil atirar para todos os lados sem muito cuidado, do que focar num só ponto e trabalhá-lo, construindo um texto esmerado. E é uma pena, pois esta vontade de criar obras sem qualquer clima faz com que os romances contemporâneos (em sua maioria) sejam tratados como romances leves, enquanto os textos trabalhados com a única finalidade de exaltar um clima, começando de modo gradual até seu clímax, é tachado de chato. Cria-se assim um efeito circular: leitores desacostumados com um texto menos ágil encontram satisfação em leituras 'desleixadas' e editoras publicam apenas aquilo que os leitores vão ler. Um mercado como este é um incentivo à criação de obras que seguem uma fórmula que empobrece a literatura.

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