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28 janeiro 2005

O Segundo

No filme "Sweet and Lowdown", de Woody Allen, o ator Sean Penn faz o papel de um exímio músico que vivia atormentado por ser contemporâneo de um gênio. Apesar do esforço e da ambição, ele era sempre mencionado como o segundo melhor. Esse tormento persistiu por toda a sua vida. Quando assisti ao filme logo me veio à mente José Cândido de Carvalho. O escritor é um gênio, mas toda vez que alguém fala de "O Coronel e o Lobisomem", colocam Guimarães Rosa no meio. Aí os críticos literários tendem a transformá-lo em "quase" um Guimarães Rosa.

Claro que para muitos não há nenhum problema em ser comparado à Guimarães Rosa. O grande problema é que a obra-prima de José Cândido de Carvalho é mais do que isso. A linguagem inovadora utilizada na obra, que faz com que muitos críticos o comparem a Guimarães Rosa, é apenas uma das qualidades do romance. Reduzi-la a uma comparação com "Grande Sertão: Veredas" é esquecer de diversas qualidades. Escrito na primeira pessoa, a obra o conta a história do Coronel Ponciano e enfoca os contrastes das vidas rural e urbana. O personagem principal conta sua própria história, o que faz lembrar um pouco o narrador de "Sargento Getúlio" de João Ubaldo Ribeiro. Inclusive os últimos capítulos de ambas as obras assemelham-se: em José Cândido o narrador conta sua própria loucura e em João Ubaldo o narrador conta sua própria morte. Os elementos fantásticos e absurdos também podem ser destacados. As lendas do interior (sereias e lobisomens) são personagens reais no início da narrativa do Coronel, o que faz com que esses trechos da obra tenham aquele clima de "histórias de pescador". À medida que as páginas avançam, vamos percebendo como o absurdo de tais personagens vai se dissolvendo e personagens mais racionais os substituem. Ocorre a partir daí, uma crescente decadência do Coronel. O contraste é fabuloso: mítico/real, rural/urbano, ascendência/decadência.

Apesar de tudo isso, muitos não conhecem a obra de José Cândido de Carvalho. Já ouvi comentários que fazem entender que José Cândido era um simples imitador de Guimarães Rosa, o que é uma injustiça muito grande. Dão grande valor a linguagem utilizada, que de fato é uma maravilha, e reduzem suas análises do romance somente a este aspecto. Daí, apesar da genialidade do autor e sua obra, José Cândido de Carvalho vira um Guimarães Rosa menor. E quem não conhece a obra, perde a oportunidade de ler um dos melhores escritores do Brasil.
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