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18 janeiro 2005

Estilo e Literatura

Estilo e literatura podem conviver bem. Não sei ao certo qual é o limite ideal entre a importância que se dá ao estilo e a importância que se dá a história. Pessoalmente, detesto quando o estilo é que compõe a obra. Sou da tradição que diz que a obra é composta de estilo e por isso a história é a coisa mais importante de um romance. A forma como esta deve ser contada pode variar, mas fazer da forma o principal objetivo de uma obra é algo que muitas vezes não dá certo. Daí a minha birra com Joseph Conrad e António Lobo Antunes. Quando vejo pessoas que leram "O Coração das Trevas" ou "Os Cus de Judas" tão entusiasmados, fico me perguntando o que eles têm de tão interessante. Para falarmos bem francamente, não existe história ali, só estilo. Ainda podem debater dizendo que a obscuridade de "O Coração das Trevas" é o que faz o romance ter lá sua importância, mas não consigo gostar. Para mim são páginas e mais páginas de um exercício de estilo.

Falando de limites, vou citar alguns exemplos de escritores que souberam traçá-los de maneira mais ou menos adequada, segundo meu ponto de vista. Em primeiro lugar William Faulkner. O primeiro capítulo de "O Som e a Fúria" é o perfeito exemplo de como estilo e literatura podem conviver em harmonia. Ao narrar a história sob a perspectiva de um retardado, Faulkner construiu uma referência a ser seguida para quem quisesse se aventurar no mundo da ousadia de estilos. Quando chegamos a terceira parte, a parte mais racional do romance, a surpresa é muito boa. Para quem persistiu e chegou até lá sem entender muito bem o que estava acontecendo, a terceira parte é um prêmio. Construímos relações com a primeira parte e ao final estamos com vontade de ler o romance novamente. Notem que o estilo contribui (e muito!) para que obra seja tão interessante. Não há uma impressão de que o escritor estava simplesmente exercitando um estilo, mas a sensação é de que estamos dentro da mente dos personagens. As mudanças radicais da estrutura do texto forçam a nossa mente a nos colocarmos no lugar dos personagens e sentir os acontecimentos, segundo a ótica de cada um.

Mas mesmo Faulkner cometeu seus excessos. "Absalão, Absalão!" é considerado por muitos como uma evolução de "O Som e a Fúria". Eu, ao contrário, acredito que Faulkner colocou muito estilo na história, que é excelente, e o resultado ficou abaixo de "O Som e a Fúria". A justificativa é demonstrar como uma mesma história pode ser ampliada, com diversos pontos de vista sendo misturados. A narrativa é propositalmente anárquica, circular e muitas vezes obscura. Ao final temos um quebra-cabeças montado que nem sabemos se realmente aconteceu da forma como foi contada a história. O que atrapalha no romance é a mania que Faulkner tem de intercalar capítulos simples com capítulos extremamente complexos. Isso faz baixar nosso entusiasmo e entre um e outro sentimos um grande tédio. Embora o livro vá melhorando a medida que as páginas avançam, a sensação final é de que Faulkner está nos falando: "Viram? Eu consegui!".

Outro grande exemplo de estilo é Guimarães Rosa. Guimarães Rosa transformou a ordem estabelecida pelo romance no Brasil. Misturou prosa e poesia, transformando-as em algo único e fez avançar a literatura brasileira de uma forma nunca antes vista. Não é à toa que "Grande Sertão: Veredas" é quase uma unanimidade entre os críticos. A complexidade do romance não está na história, que é mais ou menos banal, e sim na linguagem utilizada. Já morei no interior de Minas Gerais e a linguagem é muito próxima às minhas referências. Mas mesmo para aqueles que desconhecem tal linguagem, ao ler em voz alta o romance, a sonoridade apresentada pelo texto faz criar uma "música" agradável e harmoniosa. Mas a complexidade da linguagem apresentada, que é sua grande virtude, também é seu grande defeito. Guimarães Rosa é impossível de ser traduzido e produzir o mesmo impacto em outro idioma, devido à forma radical de distorcer o português. Não conheço a tradução para o inglês, cujo título virou "The Devil to Pay in the Backlands", mas pelas discussões que acompanhei a respeito, os leitores de lá associam o personagem Riobaldo a Fausto de Goethe, dando assim mais valor à historia do que à linguagem utilizada. Na Amazon, um dos leitores comenta que a tradução em inglês da obra deixa a desejar (inglês britânico), inclusive critica a forma como o título do romance foi traduzido. Portanto, quando Guimarães Rosa associou seu estilo à sua linguagem, automaticamente reduziu o alcance da obra.

Em resumo, tanto em "O Som e a Fúria" como em "Grande Sertão: Veredas" o que vemos é uma associação consciente e inteligente de história e estilo. Podemos dizer que o estilo é quase um personagem, devido a sua importância. Não conseguimos imaginar tais obras sendo concebidas de outra forma. Quando o estilo chama mais atenção do que isso, faz criar uma sensação de monotonia e a história perde o sentido. Muitos amam esses exercícios. Eu, quando cumpro o papel de leitor, exijo que o estilo tenha sua razão de ser, se não vejo isso, acabo abandonando a obra.
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